Fragile

intuição velada

Minha mãe me conhece melhor do que ninguém. Mas ela não sabe disso. E não teria como saber, já que nunca cheguei a lhe dizer. Mas sempre foi doído de dizer e eu não saberia como. Quero dizer, como eu poderia enrolar a língua de tal maneira que acabaria dizendo: "Você me conhece melhor do que ninguém"? Não há maneiras para isso.

Mas diante de todos os outros é ela, sempre foi ela.

Não haveria como ser outro. Ela sabe. Sempre soube. Como se sentisse um arrepio na pele toda vez que me acontece. Quando está lá brotando através de meus olhos e marcando meu rosto. Sim, talvez ela saiba mesmo. Ou melhor, talvez ela sinta. Mas será que sente?

Ela sente quando o aperto toma conta, quando o ar se vai embora e não consigo o encontrar em lugar algum. Sim, provavelmente sente. E mais, talvez, também - porque por ser ela isso não seria nada estranho - suas mãos tremam como as minhas, que não conseguem segurar uma caneta ou digitar num momento como esse.

Se ela sente por que não diz? Talvez seja tão difícil para ela dizer quanto é para mim. Talvez se sinta desesperada apenas por pensar que pode me conhecer mais do que acha que sabe. Por que é mãe. Claro, nunca pensei antes. Talvez saiba quem eu sou. Sim, talvez.

Por que é sempre tão doído de dizer, se olho nos olhos dela e já sei que me conhece como se lesse um mapa?

Talvez seja medo de admitir. E não falo de mim, falo dela. Talvez, me conhecer não seja seu objetivo principal de mãe. Talvez tenha acontecido sem querer. Vários me conhecem, mas ninguém como ela. E não há coisa melhor que ela saiba fazer do que me desvendar. E talvez isso não tenha acontecido porque ela quis, apenas... veio a ocorrer um momento ou outro.

Mas definitivamente me conhece como a palma da mão. E não sei. Não sei como finge tão bem. Toda vez me toca a alma com suas pupilas. Mas exteriormente não transparece.

Talvez seja um dom. Um gratificante e honroso dom. E como não seria bom o dom de não se importar? Mas não se engane, ela sabe. Devastadoramente. Ela, com certeza, sabe. Como não haveria de saber? Proibindo a porta de permanecer fechada. Me sentindo como lâmina sangrenta todos os dias. Gelo, colher e um olho inchado. Manchas de água salgada no sofá.

Sim, talvez ela saiba. Seria legal um dia saber como ela sabe tanto. Mas ela sabe. Desconsoladamente, frágil e distante. Sim. Minha mãe me conhece melhor do que ninguém. Ela só não sabe disso. E como haveria de saber? Eu nunca lhe contei.