Júlio tinha acabado de sair do trabalho. Exatamente à meia noite e trinta e sete. E ele estava irremediavelmente atrasado para o aniversário de sua melhor amiga, numa boate duas quadras acima do prédio onde trabalhava. Ele odiava o último dia do mês. Na realidade, ele odiava a última semana do mês, onde era obrigado a fazer horas extras ridículas porque os outros departamentos não sabiam se organizar.
O moreno bufou, franzindo ainda mais a testa que já era eternamente franzida. Sua vontade real era ir direto pra casa, tomar um bom banho e se aconchegar na cama com seus dois namorados, dormindo até a metade do dia seguinte. Porém, não podia faltar no aniversário de Anna. Respirou fundo, ajeitando o blazer roxo que usava por cima da camisa transparente branca brilhante e conferindo se o top, também branco, permanecia abaixo da linha da cicatriz em seu peito. Toda sua roupa, incluindo a calça social do mesmo tom do blazer e o sapato de salto branco, marcava bem sua cintura fina. Júlio sorriu satisfeito em ver cada coisa em seu devido lugar, então apertou o passo quase deixando passar uma cena bastante desagradável.
Quase.
Sem pensar duas vezes, o rapaz se enfiou na pequena viela escura. Dois homens cercavam uma garota, ela era pequena e gorda, com um black power enfeitado, vestida em uma saia azul e camisa social branca. Mesmo na baixa luz, Júlio conseguia ver o completo desespero no rosto dela, quase à beira das lágrimas.
"Ei, Júlia! O que está fazendo?! Estou te procurando a horas!" Gritou, já se colocando entre os homens.
"Cara, estamos num negócio aqui" Um deles tentou pará-lo, puxando seu braço, o qual ele soltou facilmente.
"E eu estou levando minha amiga embora." Júlio encarou o cara com olhos estreitos, como os de um felino. Seria lindo, se não fosse assustador. Ele alcançou o pulso da garota, puxando-a para fora do cerco e caminhando a passos rápidos, enquanto ouvia os dois homens xingando.
Ele não parou de andar até chegar num lugar seguro, guiando a moça a passar pelas portas da lanchonete de um fastfood 24hrs e levando-a para sentar no primeiro conjunto de cadeiras. Quando o choque inicial da garota finalmente passou, ela desabou a chorar, abraçando-o pelo peito.
Júlio não teve tempo de pensar ou reagir. Ele odiava esse tipo de situação, principalmente porque não sabia e não conseguia lidar com elas. Não podia chamar isso de pânico, parecia mais uma trava. Ele simplesmente não sabia como agir.
Respirou fundo, tentando acalmar o próprio coração da situação na qual havia se colocado. Ele definitivamente não gostava de toques de pessoas estranhas, muito menos abraços. Mas era uma situação de emergência. Com receio, pousou uma de suas mãos nas costas dela, deixando batidinhas desajeitadas.
E então puxou o celular da bolsa que carregava no ombro, não precisando de mais que um segundo para achar o número de Lucas nos contatos e chamar. Depois de dois toques a chamada foi atendida.
"Lucas, não vou mais" falou simplesmente, sem ter certeza se o namorado havia escutado, com o som ensurdecedor do outro lado da linha.
"O que aconteceu?" Reconheceu a voz de Marcos, música abaixando significativamente para que pudesse ouvir também Lucas perguntando por si. "Onde você está?"
Júlio passou a mão sobre o rosto, sentindo o estresse subir por seu pescoço.
"Me deparei com um imprevisto. Peça desculpas a Anna por mim. Estou na lanchonete no fim da rua, mande Lucas até aqui, preciso de ajuda pra acalmar alguém."
"E por que não eu?"
"Porque você vai assustá-la. Enfim, rápido." Sem esperar por uma resposta, o rapaz desligou. Ao mesmo tempo, uma das atendentes do restaurante se aproximou com um copo de água nas mãos, que ele aceitou com um "obrigado" baixinho.

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Contos Domésticos de Poliamor
Romance"Contos" é um romance bobinho que segue o cotidiano de Júlio, Marcos, Lucas e Dora construindo seu relacionamento a quatro. Após fazer hora extra até tarde e já estar atrasado para a festa de sua melhor amiga, Júlio se depara com Dora sendo encurral...