No Castelo fétido, o Rei olhou com os seus olhos de luz carmesim para o pálido garoto que o desafiava. Era a primeira vez em muito tempo que o Rei encontrava uma criatura diferente, pois o seu reino não tinha nada além de zumbis em decomposição — Lich, embora se pareça com um nome, era um título de nobreza que apenas o Rei poderia possuir, O Rei de Cadáveres que se movem.
A Frente, havia um rapaz de cabelos de metal, os olhos transparentes refletiam a luminosidade necrótica do Rei de volta a si mesmo.
Este rapaz permaneceu em silêncio, enquanto o castelo ao redor tremia com a aura do Rei sendo elevada por si mesmo — não apenas o castelo — todo o continente acordou naquela noite, desesperados por sentir de quem era aquele estrondoso poder — O Rei — que lançaria agora a sua fúria sobre outra criatura.
Mesmo sentindo a aura maléfica do esqueleto, o rapaz permaneceu imóvel, sem tremer a sua expressão diante do que estaria por vir.
— Neste mundo, os poderes funcionam de uma maneira diferente... — O Rei, que até então não disse uma palavra, começou a levitar com uma aura de energia carmesim-obscura emanando do seu corpo. — São medidos não pela força física, muito menos por alguma espécie de nível mágico ou qualquer coisa do tipo... Neste mundo, o poder verdadeiro é o Propósito, O Propósito é a Lei maior que rege tudo e qualquer coisa que se possa imaginar, e é com ele que lutamos... lutamos com propósitos, com determinação, e a única forma de medir forças neste mundo é provando que o seu propósito é maior diante do cosmos, através de significado a sua própria existência, tanto quanto significado a existência de tudo ao seu redor. Para demonstrar, eu mostro-lhe agora, rapaz, o quão pífio é diante mim... Nesta terra, o meu título é o de Rei dos Mortos, entende o que isso significa...? Se não, é muito simples, eu governo tudo aquilo que está morto, desde a alma de uma mera mosca até... — Enquanto falava, o Rei e o Rapaz flutuavam por um espaço sem tamanho, um espaço branco e maleável a vontade daqueles presentes, uma dimensão de tamanho sem fim... Quando o Rei interrompeu a sua fala, a sombra de um enorme titã moldou-se do branco ao preto, e do preto tomou forma... Tentando bater uma clava de mulheres de metros sobre o rapaz, para esmagá-lo com apenas um golpe, uma vitória que seria — de forma literal — esmagadora. — ... Um Titã.
Quando a clava do gigante bateu sobre o rapaz, o seu reflexo rápido o fez voar para um lado diferente. Não havia gravidade naquele espaço, muito menos parecia haver tempo, o que significa que batalhas assim iriam durar a eternidade se nenhuma das partes derrota-se a outra.
— Bom desvio, este lugar onde batalhamos é o Coliseu, um espaço sem tamanho que poder ser qualquer coisa. Todos que entrarem numa batalha de determinação serão mandados ao Coliseu, e se uma parte não entender como lutar, a outra é obrigada a explicar como o jogo funciona, ou sentirá uma dor intrínseca na sua essência... Aqui tudo pode ser concebido, desde que seja usado para a batalha. Meu conceito é: Lich, O Rei dos Mortos, cada alma, cada cadáver decomposto... Cada sapiente que há pelo universo, não importa quem ou o que seja, está nos meus domínios, e todo morto faz parte do meu exército, querendo ou não. Eu provo a minha essência diante o cosmos e você, garoto, logo será mais uma alma a servir-me até que tudo seja ceifado pela Dama de Preto.
Enquanto falava, o Rei concebeu um exército de criaturas, que começou com uma... Mas aumentou, um clã inteiro de titãs, fadas, de mortos-vivos... De almas recheadas de sofrimento, de esqueletos, de corpos partidos, um exército que não acabava e cada milésimo de segundo ganhava mais soldados... Pois, a quantidade de mortos era maior que a de vivos, O Rei dos Mortos conhecia todos eles..., mas nenhum deles era capaz de enxergar a essência do Rei dos Mortos, o tirano cruel que amava a antivida... Enquanto o seu poder crescia, potencialmente, mas nunca infinito como às estrelas do universo.
— E quem é você, garoto que me desafia? — O Rei perguntou, afirmando o seu propósito, provando-o diante do Coliseu, enviando o seu exército de potência ilimitada diante de um só desafiante. Estava acabado, o Rei pensou com desdém.
— Ninguém. — Em meio ao massacre, o espaço — que não tinha som — deixava que a voz das essências de cada um fala-se com a do outro. Uma voz carregada de vontade falou com o Rei, que afirmava não ser “Ninguém”, porém... Isto apenas significava uma vantagem que fez Lich gargalhar.
— Ninguém!? AHAHAHA! Eu nunca tinha ouvido uma piada melhor. Então você realmente não tinha nome, sequer um título... Muito menos propósito! Como pode você ousar cogitar a ideia de desafiar-me!? Eu agora entendi... Decisão tola e impensada, que apenas prova o quanto era desinformado do próprio perigo que estava correndo. Um ninguém não é nada, e nada não tem propósito nenhum além de não existir... Eu, Lich, apagarei a sua existência, assim como apaguei a do povo que massacrei! Não sobrará nem memória de você, garoto.
As batalhas neste plano eram puramente de conceitos, O Conceito de “Ninguém” estava batalhando com o conceito de “Rei dos Mortos”, como se uma ideia pudesse a qualquer momento engolir a outra. Essa batalha invisível acontecia fora do tempo e do espaço, e o Rei via que a vitória estava mais que garantida. O Fim de um ninguém, que não será lembrado por ninguém além do Rei.
— Você sabe o que é um ninguém, Rei dos Mortos? — Perguntou o rapaz, quando o exército do Rei, que não parava de atacar, agora foi totalmente destruído por ataque utilizando a ideia de ninguém — apagados da existência, e não o contrário.
— Garoto... O que é você? — O Rei, incapaz de alcançar a essência do rapaz, olhou incrédulo para o que estava prestes a vir.
— Um ninguém, Rei. Mas, um ninguém pode ser um soldado, um ninguém pode ser um morto, km ninguém pode ser um esquecido, pode ser um jardineiro, um carpinteiro, um vendedor, um escravo, um pirata, um marinheiro... um ninguém pode ser uma pessoa sem significado para você, porém, um ninguém para mim, é simplesmente uma pessoa que ainda não conheço e, que quando passo a conhecer... Se torna alguém. Para você, um ninguém é um nada, para mim... Um ninguém poderia até mesmo ser um Deus.
Meu conceito é muito mais abrangente que um Rei de Cadáveres, pois a minha essência poderia engolir desde a vida até a morte, da existência a inexistência... Um ninguém pode ser Tudo, assim como pode ser Nada ao mesmo tempo, e agora… Eu sou Lich.
Naquela noite, o Coliseu foi quebrado, e de alguma forma... Destruído. Aquela dimensão partiu-se em pedaços e, fora do universo, os próprios deuses sentiram que algo estava errado pela primeira vez nas suas longas eternidades... Algo havia chegado, e este algo havia destruído o sistema que continha o universo.
Quem? Quem?
Naquela noite, a balança do mundo quebrou-se, uma estrela brilhou em um planeta pequeno e afetou todo o espaço-tridimensional do universo.
O Rei dos Mortos estava destruído, porém, alguém havia colocado a sua coroa…
Quem?
***
— Parece que isso agora me pertence.
A Voz calma de um garoto ecoou num céu recheado de estrelas, voando onde às nuvens o tocavam e a lua era testemunha da sua coroação.
Quando segurou a Coroa do Rei, o antes Sem Nome, mas agora Lich, tornou-a de metal da mesma cor dos seus cabelos... Um prateado tão refinado que refletia tanto a luz da lua carmesim quanto das estrelas como um espelho.
A Coroa tinha Dez Picos, com um único Cristal bem a frente, um que jamais poderia ser encontrado em qualquer lugar além dela.
Colocando a coroa sobre a sua cabeça, o garoto desceu sobre a varanda do quarto do Rei, e observou logo a frente o horizonte.
Havia dor, ódio, tristeza... Mas uma pequena dose de alegria, uma chama que ainda tentava sobreviver. Ele a incendiaria em breve.
— Que lindo livro. — Disse o Rei, virando às costas e entrando em seu castelo.
Logo a alvorada virá.