IV - Vendo Idiota, Dona Berenice e Pobre Cacto Dedal

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Maria Rita vinha passando em seu carro bem no momento em que olhávamos aquela enorme subida com uma tristeza no olhar, por sorte ela nos deu uma carona. Seu carro tinha cheiro de morango e era tudo bem limpinho, o calor aconchegante me fez pensar em não querer sair e ter de enfrentar aquela chuva, minha mochila estava encharcada e não quero nem ver a situação de meus cadernos, drástico dia em que não escutei minha mãe e deixei o guarda-chuva em casa.

Os vizinhos fofoqueiros mesmo com a chuva e o frio que ia chegando continuavam sentados na calçada olhando o movimento, uma mesa e quatro pessoas sentadas de maneira largada e relaxada embaixo de um guarda-sol gigante como se estivessem em um belo dia de sol em uma praia. Dona Cleide estava com um óculos escuros na cabeça, não sei qual seria a utilidade daquilo estava mais para um enfeite que mesmo assim não fazia sentido algum para aquele dia nublado. O carro parou bem em frente aos vizinhos que logo varreram seu olhar sorrateiramente algo que o modo em que se encontravam não os faziam ser sorrateiros, o olhar aguçado do senhor Oscar nos olhava de cima abaixo prontos para guardar as informações que ele veria.

"Boa tarde Procópio, que belo carro que trouxe vocês"

"Boa tarde"

Dona Josefa revira os olhos descontente em não ter tido uma resposta mais informativa, todos os dias quando saio e volto para casa me sinto uma celebridade com esses mesmo 4 pares de olhos voltados para mim um Leonardo di Caprio mocinho direto de São Paulo, embora essa sensação vá para o ralo quando entro em casa e de soslaio me olho no espelho logo na entrada.

A caixa de areia de Catarina estava com mais areia no chão do que nela e a única que encontrei na casa foi ela que logo veio se esfregar nas minhas pernas e nas de Evandro que logo a pegou no colo. As louças estavam empilhadas na pia, roupas espalhadas pela cama de meus pais, as portas do guarda roupas e gavetas estavam todas escancaradas dando a entender que eles tivessem saído as pressas. Notei que a mala de viagem não estava no lugar de costume e grande parte das roupas deles também não. Em cima do criado-mudo velho e descascado ao lado da cama havia um papel rasgado de uma forma toda torta parecendo o monstrinho da amoeba.

Filho tivemos que sair e ir para o interior, sei que você não vai ficar nem um pouco triste com essa notícia (eu também não estou), mas a sua avó faleceu e como não podia deixar que seu pai fosse dirigindo sozinho e ao prantos, tive de ir dirigindo. Não faça bagunça em casa e logo voltaremos, deixei alguns trocados.

De fato eu não sentia nem um pingo de tristeza e me achava um estranho por nem ao menos derramar uma lágrima, quase não tinha a visto mas ela era minha avó. Evandro continuava acariciando Catarina que me olhava com uma cara de deboche.

"Que aconteceu?"

"Minha avó morreu"

"Pela sua cara achei que fosse algo menos trágico"

A velhota bateu as botas mas o nome continuava aqui, se existisse o poder de mudar em instantes ela poderia leva-lo junto e ir para o túmulo, se isso acontecesse eu levaria um caminhão de flores mas claro não seria para ela mas sim ao fato de poder mudar de nome.

Os barulhos de granizos caindo no telhado me tirou de meus devaneios, a chuva se intensificava e um estrondo imenso nos assustou. Puxei a cortina de babados e abri um pouco a janela, o vento gélido me fez arrepiar os pelos dos dedos dos pés aos da nuca, o dia se fazia noite e aos poucos vi as casas da vizinhança que eram amontoadas, apagando suas luzes uma por uma até que tudo ficou escuro, um poste bem em frente a casa parecia ir cada vez mais para frente com o vendaval quando percebi que ele enfim cairia saí correndo desesperado para a cozinha ao fundo da minha casa deixando Evandro para trás que sem entender o que estava acontecendo gritou de susto quando o poste caiu na rua e novamente o estrondo ecoou. Naquele momento me enfiei em baixo da mesa e segurei minhas pernas em uma pose fetal como se aquilo fosse adiantar alguma coisa, se tivesse de cair uma parede por algum poste que caísse me amassaria feito uma lata de sardinha. Minhas pernas finas tremiam como nunca, o assobio do vento era pavoroso e assustador como um filme de terror.

De olhos fechados permaneci por cerca de meia hora naquela posição nada confortável até que os barulhos dos passarinhos avisaram de que a chuva havia passado. A janela do quarto refletia os raios preguiçosos do sol que ressurgia em meio aquelas escuridão que ia se cessando. Duas casas ao lado direito era onde morava dona Carmosina, uma senhorinha fofoqueira e que também estava junto com os outros três fofoqueiros embaixo daquela guarda-sol que com a força do vento foi parar enroscado em cima do telhado da sua casa. Uma das cadeiras de madeira voou para o quintal debaixo quebrando uma janela de vidro, dona Josefa saiu para fora da casa batendo seus pés forte contra o chão com uma cara de poucos amigos no mesmo instante em que eu observava.

"Vento idiota !"

"Coitado do vento, idiota é você"

Respondi sussurrando que nem se ela possuísse um par de ouvidos que ouvissem muito bem à distância não conseguiria me ouvir.

"Idiota é você Procópio, onde você se enfiou?"

Debaixo da cama Evandro saiu todo desajeitado e cheio de poeira misturada com pelos de gato, sua camiseta preta de uma banda desconhecida estava perdida e ele olhando para ela se sentou na cama de uma maneira como alguém que desistiu de algo, alguém derrotado, tentei me aproximar e ele me alvejou com um xingo de ódio. Ignorei a presença dele e fui andando até a saída descendo as escadas de madeira de dois em dois degraus, o portão enferrujado rangeu quando o abri para sair para fora. Na calçada só se via pedaços de telhas, galhos de árvores e as pessoas que uma por uma iam aparecendo nas portas e janelas curiosas mas assustadas. Como quem não quer nada Dona Berenice uma senhorinha negra que sempre estava com um de seus milhares lenços de diversas cores, espiava por entre os ferros do seu portão logo do outro lado da rua, enfiou seu dedo indicador por entre um dos ferros e fez sinal como se estivesse chamando por alguém. Seu olhar de mel expressava curiosidade mas também uma irritabilidade como alguém que está com pressa de passar em meio a um engarrafamento, aqueles olhos olhavam diretamente pra mim e me seguiram ao atravessar a rua que estava sendo interditada para a retirada de uma figueira que havia despencado no final da rua.

Maurício seu pinscher alaranjado mal educado logo se alarmou e quis abocanhar minhas canelas finas logo que passei feito um flash como um fugitivo pelo portão adentrando aquela casa abarrotada de plantas do chão aos caibros do teto. Minhas canelas ardiam com as marcas deixadas por Maurício o valentão, do tamanho de uma fruta do conde, ainda rosnava mostrando seus dentinhos afiados, um pequeno monstrinho. Sem saber o que estava fazendo lá ou para que, ia seguindo Dona Berenice que andava apressada para o quintal aos fundos da sua casa que cheirava a alho e cebola. Suas suculentas enfeitavam o lugar era importante andar olhando para baixo antes que pise em alguma, tomar cuidado com a cabeça para evitar de acertar a testa em alguma planta pendurada, olhar aos lados e claro olhar para frente já que não seria nada interessante bater de novo a testa em um cacto suspenso enquanto andava olhando para baixo e passar quase dois dias com a testa ardendo como nunca, cheguei a ficar com febre mas acredito que meu psicológico me leva a sentir coisas só de imaginar.

"Pegue, caiu com o vento e as mudinhas rolaram para todos os lados."

"Ah não! Pobre cacto dedal."

"Um ano pra nascer essas mudinhas, e olhe o que aconteceu"

Adoro plantas e poucos conhecidos da minha idade sabem, não seria algo bom isso chegar aos ouvidos ou aos olhos dos garotos da minha escola. Dona Berenice sempre que compra ou ganha divide comigo, meu pai não gosta muito dela após um incidente em que sumi um dia todo na primeira semana em que nos mudamos, porque fiquei na casa dela maratonando O Cravo e a Rosa, quando ele bateu no portão perguntando de mim ela disse que eu estava assistindo novelas e fechou o portão na cara dele . "Você está deixando meu filho muito feminino". "Daqui uns dias ele se transforma nessa Bernadete aí dessa novela".

Um bafafá começou a se formar no meio da rua e as pessoas formavam uma roda curiosa, a figueira estava sendo arrastada por um trator mas os olhares de todas estavam voltados para o portão da minha casa.

Procópio Não Gosta Desse NomeOnde histórias criam vida. Descubra agora