Mia Alves
Já a família Diniz, pai e filho são sempre sérios, com um ar sombrio. Eu sempre fico arrepiada quando passo por eles, sempre um mal pressentimento, um sentimento ruim. Os pais dele são opostos. Dona Sara é um amor, já o senhor Miguel consegue passar um sentimentos mais pesado que o filho. Os comentários da cidade é que Dona Sara não se encaixa no ambiente e eu concordo com isso. Durante um tempo pensamos até que ela podia viver presa lá de alguma forma. Mas nada foi provado.
É nítido que quem começou toda essa guerra foi a família Diniz. Eles são conhecidos por falar apenas uma vez. Todos devem obedecer cegamente. Os funcionários trabalham e vivem lá. Quando vão até o centro da cidade dizem que tudo isso é fofoca. Que eles são pessoas boas. Mas é nítido que não são. Eles provavelmente são obrigados a dizer isso para manter os empregos.
Tudo em cidade pequena pode virar fofoca e as histórias podem sempre aumentar. Então de eu nem sei o que é verdade e o que não é. Mas já escutei muitas histórias pesadas sobre a família Diniz. Uma vez Gabriel arrastou uma funcionária pelo braço pela casa toda porque ela tinha feito o chá errado. Fiquei sabendo também que Hugo matou um cavalo a sangue frio dando um tiro na cabeça do animal porque ela quebrou a pena durante uma competição e ele perdeu dinheiro. Eu não presenciei nada disso. Mas não sei se posso duvidar de que seja verdade.
Hugo nunca frequentava a confeitaria. Nunca tinha entrado aqui e eu agradecia a Deus sempre por isso. Eu morria de medo dele, entrava em pânico na sua presença, mesmo de ele estivesse passando do outro lado da rua. Eu nunca conseguiria atender ele. Já tinha deixado combinado com a minha tia, se ele entrasse na loja, ela atenderia e correria para o canto mais escondido da cozinha. Ela sempre achava graça disso.
Mas para a minha sorte. Diferente dos Ferrer, os Diniz não frequentavam o comércio local. Não falava muito com os moradores, apenas dona Sara, o que tornava tudo mais fácil pra todos.
....
Era mais um dia movimentado na loja. Tivemos dois aniversários com direito a kit completo, bolos e docinhos. E mais alguns atendimentos durante a tarde na hora do café. Eu estava correndo de um lado para o outro para deixar os pedidos nas mesas. Faltava pouco para bater a meta do dia, o que era ótimo, dessa vez vamos conseguir fechar o mês bem.
Eu coloco a última xícara de café na mesa e me viro rápido para o balcão. Vejo os próximos pedidos que sairiam e escuto a campainha do balcão tocar. Levanto a cabeça e vejo aquele sorriso carinhoso. Leo... Leonardo Ferrer. Ele continua sorrindo sem tirar os olhos de mim e eu me sinto estranha.
- Boa tarde Mia. Aqui está movimentado hoje. – Ele fala de forma simpática.
- Sim. Graças a Deus – Tento manter a postura.
- Em breve vão precisar contratar outra pessoa para ajudar. – Ele continua sem tirar os olhos de mim.
- Estamos pensando nisso. Mas ainda não vai ser possível. – Sorrio e desvio o olhar. – Mas... Qual o seu pedido hoje? – Falo um pouco nervosa.
- Bem. Preciso de 150 gramas das balas. Fui expulso de casa outra vez. – Ele fala rindo.
- Quem te dedurou dessa vez? – Falo pegando as balas.
- A senhora Neuma. – Ele respira fundo. – Vou me vingar dela. – Ele sorri.
A mãe de Leonardo amava as balas de coco. Sempre que tinha ele precisava vir comprar. Eu sempre mandava uma mensagem pra ele avisando os sabores que tinha. Mas um dia ele estava cansado e disse que deixaria para a próxima. Eu agradeci e encerrei a conversa. Quase uma hora depois ele apareceu na loja sem camisa, de bermuda e chinelo. Eu nunca tinha visto ele desse jeito, quase não o reconheci.
Me lembro dele me olhando sorrindo, pedindo desculpas a todos e me explicando baixinho que a mãe tinha o colocado para fora de casa porque ele disse que não tinha as balas e na verdade tinha. Uma amiga dela que dedurou. Ele teve que voltar do jeito que estava para comprar as balas.
Era ridículo, mas a mãe dele era assim. Ela tinha as vontades dela e marido e filho precisavam realizar todas. E coitado deles se não fizessem.
Eu separo as balas e ele se despede. Leo sai da loja já mexendo no telefone como sempre e passa pela porta.
...
O resto do dia foi cansativo. Muitos pedidos. Minha tia precisou até sair da cozinha para me ajudar porque eu não estava dando conta de tantos pedidos. Pensamos em contratar alguém para nos ajudar na loja, mas já com o entregador estava difícil, não teria como contratar mais uma pessoa. E assim a gente ia dando conta até o limite. Mas não queríamos contar para o pessoal da cidade a nossa situação difícil. Não adiantava preocupar ninguém.
As pessoas da cidade era muito empáticas o que ajudava. E eu acho que essa era a realidade de todos os comércios. As coisas só melhoravam nos feridos ou datas comemorativas. Essa era uma cidade de interior e não tinha muita coisa para atrair pessoas. Então no aniversário da cidade todos se empenharam em fazer uma grande festa para atrair mais e mais pessoas a cada ano.
Sem contar que algumas pessoas se atraiam pela história de guerra que existia aqui. Essa era uma parte que a gente queria esquecer, mas o Prefeito acabou fazer uma espécie de museu, já que muitas pessoas eram atraídas por isso e vinham para a cidade apenas para saber mais. É claro que precisou da autorização das duas famílias e uma pessoa neutra para escrever a história e depois ser aprovada por eles. Mas no final deu certo.
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Estava se aproximando o dia da festa de aniversário da cidade. Tudo estava ficando lindo demais. Cada um dava um pouco do que tinha. Dona Marli da floricultura se encarregava das flores, o senhor Jorge que trabalhava com manutenção montava o palco junto com o senhor Sérgio que era marceneiro e o senhor Paulo que era dono da serralheria. Eles ficavam responsáveis também pelas barracas de alimentos e artesanato, a estrutura dela.
Dona Júlia e suas funcionárias cuidavam da parte da costura para o tecido das barracas. Tudo padronizado e escolhido por dona Inês que trabalhou durante anos como figurinista. Todos ficavam extremamente animados nessa época do ano. Era um segundo natal. E a cidade que já era muito unida. Se tornava uma enorme família.
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Amor e Sangue
RomancePor quanto tempo uma briga pode durar? Por quantas gerações uma vingança pode se manter? E quantos precisam morrer para que o fim de uma guerra aconteça? De todas as brigas entre famílias, sem dúvidas, a guerra entre a família Ferrer e Diniz foi a m...