ᅟ COISAS MAIS ESTRANHAS

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ᅟ ꒰ ﹫ ᶻ 𝘇 𐰁 ꒱
MONSTRO 𓄹͓ ˖࣪
꒰ ִ ֗ ⌕ ANTELOQUIO 𓂃 °. ꒱
⏜ ۫ . ᨫ͜ 𓈒 ! ׁ 𓈒 യ

CABO FRIO, RIO DE JANEIRO.

A luminosidade estereoscópicas da casa noturna reluzia, alterando a cor em consonância com as batidas rítmicas da música que perpetravam os corpos, ditando-lhes um ritmo para seguir. O cheiro indescritível, mas não ruim, era uma mistura de suor, perfume e aromas questionáveis. E o gosto espesso e amargo no ar, era álcool. O Arauto, com suas paredes pretas, chão xadrez e espaço apertado, não passava de mais uma boate escondida dentre as tantas da Região dos Lagos, mas para aqueles que sabiam o que procurar, o espaço de paredes negras era mais que isso. Era um refúgio.

Antonella Costa sentiu cada parte do seu corpo tenso relaxar após a primeira batida da música reverberar por seus ossos. Após o que pareceu horas caminhando para chegar ali, sozinha, com o vento frio de Cabo Froo, vestindo nada mais do que um vestido e meia calça transparente, ela agradecia silenciosamente por aquele lugar possuir álcool e não ter tantas restrições quanto a liberar bebidas para menor de idade. Era doloroso estar em sua mente naquele instante tanto quanto era respirar - mesmo que seu corpo o fizesse de forma natural e inconsciente. Viver em sua própria mente, mesmo que fosse natural e inconsciente, era exaustivo. Principalmente quando ela vivia em conflito consigo mesma.

Caminhando dentre as corpulências ondulantes que ocupavam a pista de dança, Antonella se dirigiu ao bar. Ela tinha conseguido fugir de baixo dos olhos do pai sem ser notada, mas duvidava que pudesse fazer o mesmo quanto a Rafael. Compartilhando sua localização, ela questionava que ele já não soubesse onde ela estava e a estava indo buscar. Não estava satisfeita, mas enquanto seu melhor amigo não chegava, ela podia aproveitar.

Com um copo em mãos - a qual sequer sabia o que tinha pedido ou que tipo de destilado havia nele -, ela retornou para a pista de dança. A música que explodia pelas caixas de som era um funk ritmado com o beat de Minas, um sinal claro de que o DJ provavelmente não pertencia a roda do Rio, e as pessoas - mais bêbadas do que sóbrias - dançavam como se o mundo pudesse acabar naquela momento. Antonella não demorou a se unir a elas. Em um segundo era a filha imperfeita e mal amada e no outro, mais um corpo suado entre a centena, balançando em conformidade com a música e atirando energia no ar.

E a noite que passava de forma lenta, tornou-se dia em um piscar de olhos bêbados.

Passar horas sem pensar, só dançado e bebendo, foi uma salvação; ser expulsa pela chegada da manhã, uma tristeza necessária. Percorrendo as ruas, Antonella se sentia mais leve do que horas atrás, porém mais farta. Ela só tinha dezesseis - bem, agora, com o passar do dia, dezessete - mas como as coisas tinham chegado daquele jeito? Quando a salvação se tornou uma noite vazia e um copo amargo? Ela, eles, tinham deixado chegar longe demais. Hoje as coisas iriam longe demais, ela podia sentir.

O caminho até casa de paredes verdes aconteceu rápido demais e em um segundo, Antonella estava entrando pela porta de trás, passando pelo vão que sempre ficava destrancado e dava acesso para as casas de cima. Parecia não haver ninguém em casa, mas ela sabia melhor. Após a expulsão da sua irmã da casa, no mês anterior, tudo parecia silencioso. Seu irmão nem deveria estar ali.

-- Oi, Anto. Eu estava te esperando. -- a mulher negra sentada na beira da cama sorria, mas o sentimento não chegava aos seus olhos. O cansaço consumia sua expressão. -- Eu e o seu pai terminamos, eu 'tô indo embora. Mas você pode ir comigo se quiser, passar uns dias lá em casa. - Porque sua casa é um buraco negro de emoções positivas e se você ficar aqui, vai tentar se matar igual sua madrasta anterior. Ela não terminou, mas era possível ver em seus olhos a frase não dita, o medo não expressado.

-- Não, eu... eu vou ficar. - Antonella sussurrou, sua mão empurrando a porta até que ela estivesse fechada para realmente falar o que queria. -- Não quero ficar aqui sem você.

-- Eu sei, gatinha, e sei também que você não me quer presa aqui. 'Vamo comigo, passa uns dias lá em casa e decide o que você quer fazer. Você sabe que eu te amo, já considero você minha filha e o Nathan é apaixonado em você. Eu faço até as comidas cheia de frescura que você gosta.

Um sorriso surgiu ali e Antonella logo abraçou, despejando tudo o que sentia e que não podia ser dito. -- Vou pensar, tá bom?

-- 'Tá, vai comigo me levar na rodoviária? Eu já vi, tem um ônibus saindo daqui a pouco, só preciso acordar seu irmão. Vai trocando de roupa enquanto isso.

Com um leve balançar de cabeça, Antonella deixou que ela se fosse para encostar a porta - seu pai a havia quebrado no dia da expulsão de Leanna, então era meio impossível a fechar agora - e trocar de roupa. O vestido levemente xadrez passou a ser calça de moletom e um casaco do mesmo conjunto, e o cabelo - agora curto depois de um big chop para tirar a química, ficou solto mesmo.

Andando para o lado de fora, Antonella esperou encostada no carro e entrou assim que a porta foi fechada.

Ela não se lembrava de ter chegado na rodoviária, mas ela o fez; ela não se lembrava de ter se despedido uma segunda vez, mas se lembrava de chegar em casa oca e se deitar na cama. Se lembrava de ter sido acordada pela homem que deveria protegê-la e ouvir cada provação em silêncio, cada brincadeira estúpida e de mau gosto com a risada do seu irmão de fundo até explodir, quebrada em milhares de pedaços afiados de vidro e esmigalhada como um dente de leão ao ser soprado. Nu em seu cerne. Desfeita em lágrimas e feita de palhaço para uma plateia cruel.

-- Vai limpar essa cara, vai. Queila mora na favela, cercada de bandido e ela nem quer você lá de verdade, quer só que eu vá lá. E você sabe que só o papai te ama, ele quer você de verdade. Mamãe não quis, tia Ju abandonou, só o papai quer você. Então para de chorar que você já tá feia com esse cabelo, chorando fica pior.

-- 'Rapá, tá feia mesmo. Falei com ela no carro assim que ela entrou "Antonella, você tá horrível", ela não gostou não.

Ela podia ver as vozes se desfocando no fundo, não sendo processada por seus ouvidos, porém chegando com clareza em sua mente e coração.

Quando Antonella saiu da sala em direção ao quarto superior, em cima da garagem, ela não estava pensando em causar dor, estava pensando em se livrar da sua. Quando ela encarou o concreto desnivelado do chão, ela não pensou em morte. Antonella pensou em salvação.

Dali em diante, Antonella seria seu próprio Deus em sua morte e a rainha de seu próprio inferno.

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𖥻˓ ࣪NOTES' .ᐟ ִֶָ

Acho que dentre os capítulos que existem, esse para mim é o mais doloroso, porque foi uma vivência real minha. As falas são reais. E eu não quis entrar muito em detalhes, porque acho que ninguém merece ler ou ouvir muito mais do que tá escrito aqui, isso ali em cima já foi o suficiente. Então, sem mais, até o próximo!

E se você algum tipo de violência doméstica, por favor, saiba que não está sozinha! Eu tô com você, mesmo de longe.

Capítulo não revisado ;

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