Uma música do modo aleatório da minha playlist do Spotify tocava em um volume alto nos fones de ouvido em minhas orelhas, enquanto uma de minhas mãos abraçava minha bolsa na frente do corpo, a outra segurava com força o ferro amarelo do ônibus. Não que precisasse, já que o lugar estava tão cheio que um corpo segurava o outro, como uma lata de sardinha. E é claro que era por isso que eu estava bisbilhotando a pesquisa que a senhora na minha frente fazia em seu celular, afinal, não tinha muito para onde olhar. Ficava feliz quando acabava descobrindo fofocas alheias e perdia o interesse rapidamente se não fosse algo interessante, mas a pesquisa da mulher sobre como montar uma rotina saudável me deu algo para pensar enquanto me espremia para descer do transporte e fazer a curta caminhada do ponto de ônibus até a lanchonete onde eu trabalho. Chutando algumas pedrinhas pelo caminho, comecei a listar mentalmente minha rotina semanal para ir trabalhar.
Passo 1: acordar, é extremamente difícil depois do fim de semana, mas eu dou conta.
Passo 2: chorar, eu odeio ir trabalhar e sempre bato na cama e reclamo antes de levantar.
Passo 3: tomar banho, esse é tranquilo quando lembro de pagar a conta e a água tá quente.
Passo 4: me arrumar, esse é o momento em que eu olho meu uniforme da lanchonete e sinto vontade de rasgar com os dentes.
Passo 5: tomar café da manhã, geralmente eu como um pão com ovo e tomo iogurte ou como uma fruta. Quando tem.
Passo 6: chorar, eu choro de novo ao lembrar que tenho que pegar ônibus.
Passo 7: ir, infelizmente.
Não sabia dizer se era saudável, no mínimo a alimentação deveria ser, mas logo a cacofonia de vozes na rua do comércio me trouxe de volta ao meu ódio em trabalhar e esqueci aqueles pensamentos.
Tirei os fones de ouvido ao mesmo tempo em que o sininho sobre a porta de vidro da entrada tocava, anunciando minha chegada. Cumprimentei Jannet do caixa com um aceno de cabeça, enrolando o fio em meus dedos e o enfiei dentro da bolsa, indo em direção a porta dos fundos, onde uma pequena sala com alguns armários metálicos e um banco servia como vestiário. Arrumei a camisa branca e a gravata, assim como a plaquinha de identificação com meu nome em meu peito, guardei minhas coisas e fechei meu cadeado, respirei fundo e finalmente saí dali para começar a arrumar as mesas para a abertura do Finger's Food Cafe.
Com um total de cinco funcionários, o FFC foi inaugurado há alguns poucos meses, quando Dara, nossa chefe e cozinheira, recebeu uma herança de algum parente na mesma época em que foi reprovada na universidade, então decidiu investir tudo em uma lanchonete retro caindo aos pedaços, que apesar do pouco movimento era muito bem localizada em uma rua repleta de outros comércios, e reformou tudo ao seu próprio estilo punk alternativo, fez uma seleção rápida de funcionários e abriu as portas. Além dela, na cozinha também trabalha sua prima Juno, um contraste enorme com a cozinheira. Enquanto Dara tem cabelo curto, repicado e totalmente tingido de um rosa chamativo, olhos verdes e pele clara, Juno tem a pele em um tom marrom, cabelo preto longo e penetrantes olhos azuis. Acho que a única coisa que aquelas duas tem em comum é a pinta do lado direito logo abaixo da boca. Continuando, no caixa e como gerente está a adorável Jannet, uma moça tão branca quanto a neve, olhos claros como céu e um cabelo de tom rosado também claro, quase como um castanho ou um loiro, não sei bem como definir. Assim como eu, ela também tem olheiras marcadas, mesmo que não na mesma intensidade, e sua bochecha direita é marcada por duas pintinhas na diagonal. Por fim, no salão, Dakota e eu trabalhamos como garçons. Apesar do nome e de sua aparência delicada, Dakota é um rapaz quieto e atencioso, um pouco mais baixo que eu em altura, com olhos azuis opacos, cabelo preto com um corte que sempre me faz lembrar da Alice da saga crepúsculo, é um dos únicos em quem realmente daria a nomenclatura de amigo aqui dentro. E por fim, temos a Isis, que sou eu. Uma fodida que foi expulsa de casa pela mãe meses depois da morte do pai, já que a mãe havia superado e não demorou a colocar outro homem dentro de casa, e do nada passou a ter ciúmes dele com a própria filha e resolveu que seria melhor expulsa-la. Enfim, agora tenho minha kitnet e dois gatos que vivem mais na rua do que em casa. O emprego também não é dos melhores, mas paga as contas e ainda consigo economizar uma graninha com as gorjetas. Não é muito se comparar com o que Jannet consegue arrecadar na caixinha de doações e com o que Dakota recebe de homens que acreditam que ele é mulher, mas não posso culpar os clientes. Em comparação a eles, sou um trapo imundo. Minhas olheiras são tão pretas que poderia ir pra um show de rock sem nem me maquiar, surtei quando fui expulsa de casa e meti a tesoura no meu cabelo de qualquer jeito, meus olhos são os únicos com cor de bosta nesse lugar e não tenho nenhum traço em especial. Pelo menos tenho um corpo bonito, mesmo que o uniforme não revele, então qualquer dia em que achar que foi a gota d'água talvez eu comece a vender fotos pelada na Internet.
De qualquer forma, mesmo trabalhando aqui desde a inauguração, não consigo sentir uma boa aura nesse lugar. É um sentimento estranho que aperta meu peito sempre que passo pela porta de entrada e o sininho anuncia minha chegada, como uma premonição. Ainda assim, nunca tivemos nenhum acidente e estamos com todas as fiscalizações em dia, então talvez eu apenas precise começar a tomar algum remédio e fazer terapia. Ou realmente só odeio trabalhar, vai saber.

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Finger's Food Cafe
RandomIsis Caspari, uma jovem que acabou de perder o pai, é expulsa de casa e encontra refúgio em um restaurante recém-inaugurado. Enquanto luta para se adaptar à sua nova realidade, sua vida dá uma reviravolta inesperada quando uma repórter intrépida, em...