Por séculos.

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O sol nascia no horizonte mais uma vez, exibindo seu brilho cintilante e trazendo consigo o caloroso conforto pós madrugada gélida.

Buzinas ao longe atestavam o caos que tomava a cidade pela manhã. Murmurinhos pelos corredores do prédio instigavam minha mente inerte e sonolenta, a vizinhança sempre fora deveras barulhenta.

Amanhecia. E mesmo com o incontável número de novidades para encarar, meu foco era apenas um: o corpo pequeno que repousava ao meu lado.

A brisa suave que insistia em ultrapassar pela varanda balançava os teus fios azulados, uma expressão serena pairava no rosto delicado; olhinhos inchados, boquinha entreaberta. Eu com certeza fui abençoado.

Era de fato curioso que, mesmo após dois anos, acordar ao teu lado ainda surtia o mesmo efeito sobre mim. Você me desmontava nas mais comuns ações, eu mergulhava em paixão apenas ao observá-lo existir.

Aquela havia sido mais uma das noites em que não dormimos, o mantive próximo a mim, afagando seus cabelos e dissertando sobre qualquer assunto pouco relevante. Sabia não estar sendo de fato ouvido, o meu garoto mal abria os olhos pelo sono. Era adorável vê-lo tentar acompanhar meu raciocínio.
Quando chegamos a questionar a existência, uma pergunta me foi direcionada, mantendo-me alheio por um tempo: "Você acredita em destino, Jun?".

Não. A verdade é que jamais cogitei que algo pudesse ser calculado, viver em um mundo onde as mínimas escolhas me foram escritas, remete-me a uma prisão. O que seria eu se não um conjunto de decisões estúpidas? Um ser destinado ao fracasso?

Porém, ao fitar as lumes castanhas tão próximas a mim, não pude negar. Era presunçoso demais acreditar que eu havia chegado até aquilo sozinho, era intenso demais para ser coincidência, sólido demais para ser dessa vida.

"Talvez" sussurro em resposta, sentindo uma paz avassaladora ao vê-lo sorrir.

"Por que talvez?"

"Por você."

"Por mim?"

"Por nós."

Percebi que entendera - você sempre entendia - e, então, calou-se. Eu também nada disse, apenas esperei que adormecesse em meus braços, docemente.

Permaneci acordado, viajando por lembranças. Eu adorava reviver momentos junto a ti, em especial, dia doze, exatamente dois anos atrás.

Estava frio perante o mês de junho, eu aguardava ansiosamente a sua chegada, cogitando milhões de possibilidades. E então, quando o vi descer do ônibus, o mundo parou por um instante, pensei ser incapaz de amar-te mais, de sentir mais. Mas ali estava você, tão perigosamente próximo... Vi-o correr em minha direção e quando seus braços envolveram meu corpo, soube que era aquilo que eu precisava. Eu o queria para vida inteira.

Você repetia o meu nome e apertava meus ombros, como se quisesse ter certeza que estava acordado. E estava. Assim como eu, que sentia o coração massacrar a caixa torácica.

Beijei cada canto do teu corpo aquela noite, traçei suas curvas com a delicadez que emanavam, sussurrei juras e o ouvi chamar meu nome pela primeira vez, ali, comigo. O paraíso existia, e passou a adormecer ao meu lado todos os dias, ele tinha o sorriso mais doce e singular do universo, cabelo azul como o mar e alma viva.

- Ao fitar seus olhos pela primeira vez, naquela decrépita rodoviária, encontrei o meu caminho. As galáxias colapsaram com o transbordar de sentimentos, era apenas nós, meu amor. Era finalmente nós. E então, ali, eu tive certeza, nasci para te amar. Para desvendar cada pequeno mistério do teu grandioso caos. Para ser seu.
Eterno.

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