II.

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Saí da cantina, após o almoço, ainda a repetir incansavelmente a cena que se tinha passado. As palavras de Van ecoavam-me na cabeça de forma persistente.

Será que deveria confiar nele?

Uma parte de mim dizia que sim, mas tinha a certeza que era em grande quantidade por causa de ele ser uma cara bonita, digamos assim e estar longe de rapazes à tanto tempo. Rapazes não sociopatas digo.

Porém outra parte de mim sabia que ele já não me via à anos e a que propósito é que vinha mexer com a minha vida agora?

Suspirei longamente cravando as unhas nas palmas das mãos. Este era sem dúvida o meu hábito nervoso.

Passara anos a dizer a mim mesma que não estava louca, que o País das Maravilhas existia mesmo... E agora que havia alguém que acreditava em mim eu estava mais dividida que nunca.

Dirigi-me à sala de convívio, arrastando os meus pés em direção à minha cadeira junto à janela. Aí parei. Já estava alguém sentada nela.

A rapariga era pequenina e pálida, quase se aninhando contra a cadeira. Tinha um longo cabelo loiro aos caracóis porém este encontrava-se despenteado e com mostras de maus tratos. Os seus olhos pareciam ainda mais assustadores que os meus, de um azul brilhante, quase resplandecente.

Aproximei-me dela cautelosamente, sabia que ela era nova e para estar aqui era certamente louca. Não havia motivos para a tratar mal apesar do meu desconforto interno por a ver sentada na minha cadeira.

-Olá, como te chamas? - perguntei eu, suavemente, usando toda a boa educação que me restava de uma antiga vida e encostando-me ao parapeito da janela.

-O que é que tens a ver com isso? - perguntou, sem desviar os olhos da linha do horizonte.

-Essa cadeira é minha - até mesmo aos meus próprios ouvidos pareço infantil.

-Agora não é.

-Como te chamas?

Ela olha-me desconfiada: - Alice.

O meu coração salta uma batida. Os olhos dela são tão familiares. Agacho-me ao seu lado, tentando sondá-la.

-O meu nome também é Alice. Prazer.

A sua expressão suaviza-se durante um momento apenas mas é o suficiente para mim. Coloco a minha mão sobre a dela.

- Vamos ser amigas, sim?

Alice acena com a cabeça lentamente e levanta-se, virando-me as costas.

-Onde vais?

-Podes ficar com a cadeira - os seus caracóis loiros balançam enquanto ela se move até uma das mesas e se senta.

Durante os dias que se seguiriam haveria de me tornar amiga daquela rapariga aparentemente ainda mais louca que eu. Não falava muito e quando falava geralmente era para comentar as coisas mais simples como o pássaro na beira da janela, o cabelo branco de uma enfermeira, o cheiro do perfume do psicólogo, a cor dos comprimidos.

Mas, de alguma forma, gostava dela. Foi a minha primeira e única amiga naquele lugar hediondo. E certamente a única que não me achava louca.

Foi por isso que até hoje aquele dia ainda está gravado na minha memória.

Era de manhã, bem cedo e quando cheguei ao meu lugar tradicional não a encontrei, na sua posição habitual, sentada na mesa a ver televisão, fiquei inquieta. Quando estámos num sítio como aquele todas as mudanças, por mais pequenas que sejam, são algo enorme.

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⏰ Última atualização: Nov 06, 2016 ⏰

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