Capítulo 1

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– Onde foi que você ouviu isso, Raika?

Encolho os ombros num gesto involuntário e evito contato visual com shashk'a. Observo o pé enrugado dela bater contra o chão em movimentos rápidos e repetitivos que me deixam ainda mais inquieta. Eu e minha boca grande seremos punidas mais uma vez.

– Está com os ouvidos entupidos de sujeira? Não ouviu o que eu perguntei?

Atrás de shashk'a, Riana chora como um filhote abandonado, fungando alto e fazendo questão de sacudir os ombros. Eu a odeio agora. Como ela pode ser a mais velha e ainda se comportar como uma garotinha de cinco anos?

– Não sei – murmuro, ainda fitando o pé de minha avó.

O tapa acerta minha boca com força e, embora não doa, eu finjo que sim e me encolho ainda mais.

– Não repita rumores se não sabe onde ouviu – resmunga shashk'a. – Principalmente rumores contra sua irmã. Vocês são sangue do mesmo sangue. São filhas do mesmo útero. Se não cuidarem uma da outra, ninguém mais no mundo o fará. – Ela segura meu queixo e me faz olhar direto em seus olhos. Não há raiva neles, mas preocupação. – Não quero saber de você caluniando sua irmã outra vez, estamos entendidas?

Não sei exatamente o que significa "caluniando", mas entendo pelo contexto. Shashk'a não quer que eu repita por aí o que as senhoras do mercado de peixe falam: que Riana é bonita demais para o próprio bem. Todas têm inveja dela, até mesmo as senhoras adultas e casadas. Essa garota Riana deveria ser mandada embora, ouvi dizerem. Ela distrai demais os nossos homens.

Como Riana quebrou minha vara de pesca que pegou sem permissão, perdi a paciência com ela e disse coisas das quais agora me arrependo.

– Você deveria ir embora daqui. É o que todo mundo quer.

Agora, ao vê-la chorar como uma menininha, sinto que sou um monstro. Shashk'a me segura pela nuca e quase me empurra para perto de minha irmã.

– Peça desculpas.

Mordo o lábio. Nunca gostei de pedir desculpas.

– Agora.

Engulo em seco e olho para Riana.

– Desculpa.

Ela para de chorar devagar e enxuga o rosto nas mangas da camisa de linho de segunda mão, idêntica à minha. Com o rosto vermelho e inchado, Riana fica menos bonita e mais parecida comigo. Não gosto de vê-la feia e chorando, então prometo a mim mesma que não vou mais dizer aquelas coisas, por mais brava que eu fique com ela.

– Desculpa por ter quebrado sua vara – diz Riana.

Dou de ombros.

– Deixa pra lá. Papai pode fazer outra.

– Eu faço outra pra você. Vou pedir pra ele me ensinar.

– Duvido que a sua fique tão boa quanto a...

Shashk'a pigarreia alto, me interrompendo. Sinto meu rosto arder. Eu e minha boca somos impossíveis mesmo.

– Tá bem. Obrigada, Riana.

Minha irmã sorri e parece que o mundo todo volta a brilhar. Quase no mesmo instante, os sinos do porto começam a tocar bem alto, indicando o retorno dos barcos de pesca à ilha, e nós corremos para fora de casa. Nossas vizinhas fazem o mesmo e logo a rua fica tomada de gente aguardando o retorno dos pescadores.

Riana segura minha mão.

– Vamos lá ver o navio.

Hesito quando ela me puxa. Sou filha de pescadores que são filhos de pescadores que foram filhos e netos de pescadores e sei pescar relativamente bem, mas não gosto de estar nem perto em barcos ou navios. O balanço da carcaça de madeira na água, o cheiro de sal e suor, a incerteza de estar longe de terra firme... Simplesmente odeio.

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⏰ Última atualização: Oct 21, 2023 ⏰

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