Risco a parede de madeira de minha cabine apertada e forço meus olhos a segurarem as lágrimas que insistem em vir. É a trigésima marca que faço. Trinta semanas que não vejo Riana. Mais de seis meses. Nunca ficamos separadas por mais de um dia desde que nascemos. Eu nunca deixei de cuidar dela, embora nossa diferença de idade fosse de apenas um ano. Nós sempre fomos unha e carne - o mesmo sangue correndo nas veias - e nossa família dependia de nós.
Riana é como o dia e Raika é como a noite, era como nossa shashk'a, nossa avó, nos chamava.
Eu sempre fui discreta, quieta e reflexiva, enquanto minha irmã era radiante, tagarela e espirituosa. Riana queria desesperadamente crescer e se tornar uma mulher dona de si; eu não me importava em ser criança por mais alguns bons anos. Mas quando se tem catorze anos e vive numa pequena vila de pescadores, o tempo não corre - ele se arrasta, sem pressa.
Eu queria ter valorizado mais o tempo que tive com minha família.
Aqui, nesse navio decadente, cercada por tripulantes fedidos e hostis, tendo direito a apenas uma escassa refeição por dia, uma rede cheia de buracos e uma troca de roupa, sinto como se eu já tivesse vivido toda a cota de coisas boas que poderiam acontecer na minha vida.
Desde o dia do Extermínio, os dias têm sido de morte, dor e perda.
Quando as tropas invadiram nossa aldeia no meio da madrugada, foi como se o tempo e o espaço se dividissem em dois: antes, havia alegria e inocência em meus dias na casa da minha infância, onde eu vivia com meus avós, pais, tios, primos e irmã; depois, quando os soldados do rei chegaram com suas inovadoras armas de fogo e assassinaram família por família em cada casa, passou a haver apenas horror.
E só há horror desde então.
Faça amizade até mesmo com os infortúnios, dizia minha shashk'a. Até mesmo o sofrimento e a morte podem ser bons amigos, se você souber lidar com eles. Essa é a lição mais valiosa que ela me ensinou e a única que suportei guardar desde que a vi morrer diante dos meus olhos.
- Faça amizade com a morte. Fique em bons termos com o sofrimento - sussurro todas as noites, olhando para o teto de madeira da cabine.
O navio sacode enquanto quebra ondas violentas que ameaçam afundar e afogar todos nós. A mera ideia de navegar em mar aberto me apavorava quando criança, mas precisei engolir esse medo quando me juntar a uma tripulação de piratas sujos se mostrou a única maneira de sobreviver. E eu jurei sobreviver. Jurei me tornar forte o bastante para comandar meu próprio navio um dia, para ter uma tripulação sob minhas ordens e muito ouro nos meus baús. Jurei sobreviver para reencontrar Riana e voltar com ela para nosso lar - ou para o que sobrou dele.
E eu, Raika Dornelas, jamais quebrei um juramento.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Fúria e Redenção #3
خيال (فانتازيا)Terceiro volume da Saga das Quatro Rainhas. Raika e sua irmã Riana vivem na isolada e paradisíaca ilha de Shacal e têm a caça e a pesca como seu sustento. Certo dia, as irmãs são capturadas por traficantes de escravos e levadas ao continente, para o...