I. Fonte de inspiração

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Me reservo no direito de dizer que alcancei o fracasso inúmeras vezes, e mesmo tendo a certeza que fracassaria novamente, lá fui, sim, fui em busca de uma ideia brilhante

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Me reservo no direito de dizer que alcancei o fracasso inúmeras vezes, e mesmo tendo a certeza que fracassaria novamente, lá fui, sim, fui em busca de uma ideia brilhante.

Desisti de dar a partida pela quinta vez. Minha experiência com automóveis havia sido tragicamente pitoresca a vida inteira, uma vez que minhas habilidades condenavam meu controle em razão de passar pro papel ideias que um dia escutara pessoas repercutirem em praças, filas, esquinas e bares, e não num círculo giratório de uma máquina de 4 rodas.

Minhas mil histórias tinham alcançado o fracasso mesmo antes de ganharem o mundo, e, em desespero, me interessei em rugir o motor por lugares frios, quentes, inóspitos, inflados, secos e úmidos; agucei os ouvidos em busca de um bom enredo para, enfim, a glória.

O carro tinha ruído, quebrado, me deixado abandonado na estrada. Uma fumaça escapava do capô. Levantei, o motor fazia um barulho estranhamente pitoresco, como batidas de um coração desritmado. A conferência de ideias era importante para mim, era importante para minha alçada evolutiva, para meu crescimento visceral de narrativas. Sim, minha cabeça borbulhava como um vulcão, aquecia como uma fornalha, entrava em transes, por vez, sem ideia alguma, sem respostas, sem história. A minha mediocridade criativa havia chegado a um patamar gélido e estava mumificada, trancafiada em porões assustadores.

Eu precisava de uma ideia!

Quase caindo a noite me pego observando um vasto campo à esquerda. Algumas árvores me bloqueavam a vista, mas uma casa simples, afastada e solitária se desenhava naquela pintura que minha visão focava. Com o carro morto, decidi caminhar uns pedaços de terreno à frente em direção a residência. As luzes estavam acesas no primeiro dos três pavimentos. O sol se punha no lado oposto, e faltava pouco para o lugar todo mergulhar na sombra sob o véu da lua. Nada a esquerda, nada a direita, nada atrás. A casa parecia uma velha árvore centenária pousada no meio de um campo há muito abandonado pela natureza, pelo solo que a servia de cama, pelo ar que evitava soprar seus fios de vegetação adormecidos, pela água que negava contato a cem mil quilômetros de distância.

Bato à porta. Olho pela janela. Lá dentro uma lareira acolhe alguns pedaços de madeira enegrecidos pela metade, ajudando a sala mal iluminada. Uma cadeira de balanço recua e avança em movimentos leves, denunciando quem estivera sentado ali segundos antes. Um frio me tomou com uma corrente súbita que atravessou a varanda. Toquei a minha nuca. Estranhamente quente.

- Olá! Alguém? Olá! - eu senti que não deveria ter feito aquilo. Me arrependi de subir o tom no que fez parecer a minha voz ser o único som num raio de mil metros.

Olhei para trás. Retornei à janela. A cadeira havia parado. Uma fagulha estourou na lareira, soltando no ar gotículas amarelas. Ruído.

- Não seguirá em frente hoje.

Virei. À minha direita, o homem estava recostado, encarando o horizonte, pondo o cigarro na boca e liberando a fumaça pelas narinas. Vestia uma camisa surrada, um macacão desbotado com bolso frontal (de lá pendia uma luva grossa de couro), e botas sujas de lama. Não era velho, mas a juventude já havia ficado para trás.

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