Capítulo 3

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Conseguia sentir o calor que o motor do carro, à momentos desligado, irradiava nas minhas pernas. A casa de Simon era o oposto da minha. O jardim da frente era maior que o campo de futebol da escola. Repleto de carvalhos, azevinhos e medronheiros, o cheiro a relva acabada de cortar acariciava as minhas narinas. A casa, ao fundo, imaculadamente pintada de amarelo claro, tornava-a ainda mais jovial do que era. Era sem dúvida "moderna", como dizem. Grandes janelas viradas para o jardim, onde observei, entre as longas cortinas brancas, o que parecia ser uma empregada, talvez a senhora das limpezas. Ao fundo do pátio onde me encontrava, uma garagem, onde três carros reluziam. Uau, pensei. Aquela casa era linda, parecia um hotel. Na verdade estava deslumbrado, maravilhado... Parecia que tinha entrado num filme ou num hotel de cinco estrelas. Para mim, era surreal, para ele, tudo isto era normal. Ouço um "Vem" vindo da minha esquerda. Automaticamente virei-me para o sítio de onde as palavras tiveram origem. Quando o meu olhar focou, vejo Simon no topo de uma pequena escadaria de mármore que dava para o que parecia ser a porta de entrada da casa, ou melhor, da mansão. Subi as escadas, envergonhado. Sentia-me como se não pertencesse ali. Entrei, passando por Simon, que segurava a pesada porta de madeira. As minhas botas, ainda molhadas, chiaram na pedra polida do hall de entrada, que, por sinal, era maior do que o meu quarto. Tudo era grande naquela casa, tudo cheirava a novo. Um novo perfumado, na verdade, um cheiro igual ao perfume de Simon, que tinha sentido na manhã de hoje. À minha direita, para onde se dirigia Simon, encontrava-se a cozinha. A bancada branca, os eletrodomésticos, luziam. A mesa, ao centro, tinha uma fruteira com morangos. Morangos... em janeiro. A sala de estar, à minha esquerda, era coberta de tapetes felpudos, eles também, como os dois sofás, eram brancos. Ao fundo tinha a lareira e por cima desta uma enorme televisão. Para mim aquilo era uma sala de cinema. O papel de parede, com tons de amarelo e os dois candelabros que iluminavam toda a extensão da sala eram, de facto, magníficos. Antes que pudesse analisar a escadaria que nos levava, assumindo eu, para os quartos, fui novamente chamado por Simon. Este, já sentado num pequeno banco, um de vários que circundava a enorme bancada da cozinha, comia os famosos morangos. "Queres?", disse Simon, estendendo até mim, com um morango na ponta, também este reluzente. "Tudo reluz na tua casa, Simon, até os morangos" lancei, enquanto comia o morango. "Ah, já para não falar que estamos a comer morangos em pleno janeiro, o que por si só já é confuso", lancei novamente enquanto tirava outro morango, ainda mais reluzente e maior que o anterior, da caixa pousada em cima da bancada. Simon lançou um sorriso, enquanto olhava para mim fixamente. "Tenho alguma coisa nos dentes?", perguntei, passando a língua por estes na tentativa de limpar o que é que fosse que lá estivesse colado. Antes que Simon pudesse responder, o som de saltos a baterem no chão, cortam as suas palavras. Com o som, veio uma mulher alta, de cabelos castanhos compridos, vestida a rigor. Um fato azul bebé cobria-a de alto a baixo, os sapatos de pele seguiam o mesmo esquema de cores. "Olá querido", proferiu a mulher alta, enquanto se dirigia para o frigorífico, ignorando a minha presença. "Olá mãe", disse Simon rapidamente. Obviamente que era a mãe dele, Simon era a cara chapada dela. " Deixaste o cão entrar em casa outra vez?... Molhou a entrada toda." disse a mulher, num tom arrogante. Baixei, envergonhado, a cara, contemplando as minhas mãos roxas do frio. O único som audível naquela cozinha era a respiração de Simon e depois, novamente os saltos, agora afastando-se. O meu corpo tremia, não de frio, mas de vergonha, de humilhação. Sentia-me sem forças, como se aquelas palavras tivessem esvaziado o meu corpo da pouca auto-estima que ainda me restava. Levantei-me a custo, sem proferir uma palavra e comecei a dirigir-me para a porta ainda cabisbaixo, ignorando completamente o que me rodeava. De repente, uns pés que não os meus bloquevam a minha passagem. Momentos depois, uma mão tocava no meu queixo, empurrando-o para cima levemente, até os meus olhos encontrarem os de Simon. De olhos fechados, uma lágrima rebelde escorreu pelo meu rosto, apenas uma, mas essa simples gota foi suficiente para merecer o abraço mais sentido de sempre. "Desculpa...eu..eu...", Simon, ainda com os braços à minha volta, tentava encontrar as palavras certas. Contudo, o meu corpo permanecia imóvel, incapaz de retribuir o afeto, incapaz de se mexer, incapaz de responder. Já o meu interior era uma completa antítese do exterior. A minha consciência gritava, mil vozes falavam ao mesmo tempo, sem que eu conseguisse entender uma que fosse. De repente tudo parou... um frio que começou nas pontas dos dedos, alcançava agora o meu cérebro, desligando o meu corpo por completo.

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