Frente ao túmulo de uma mulher chamada Bridget, os olhos de Samanta estavam arregalados, vazios, lacrimosos, berrantes, inalcançáveis, perplexos. A sua respiração vinha mínima, deixava entrar e sair o suficiente para que ela pudesse viver por mais uns instantes a fim de continuar ali por contemplar a lápide daquela mulher, mãe de dois filhos e casada há treze anos.
— Eu... — sussurrava Samanta para si, de queixo erguido. — Eu queria saber quem eu seria... quando estivesse longe de você. — sua cabeça começou a sacudir, com vagar, de um lado para o outro, ganhando velocidade, deixando as lágrimas caírem e um leve sorriso emergir. — Quem eu seria hoje, quer dizer, quem eu seria hoje, se eu tivesse tido contato com o afeto humano?
O queixo de Samanta tremeu com a possibilidade.
— Queria que tivesse me deixado viver, pois agora que eu posso... tenho medo de tentar. O que eu quero dizer é que nem sei bem o que significa a palavra mãe. — seus ombros magros encolheram. — E... não sei bem se você merecia um fim desses, não sei bem se você merecia terminar aqui, entre essas minhas ideias cruas e rancorosas de alguém que saiu de dentro de você, mas eu sei bem que não poderia morrer entalada dessa dor que ainda me aperta o pescoço — segurou-o —, eu sei bem que eu precisava cuspir, cuspir você de dentro de mim, arrancar o que faltava de você, chutar e empurrar qualquer vestígio, qualquer coisa que ainda me ligue a você.
Segurando-se em seu pescoço, Samanta berrou.
O cemitério estava vazio, com exceção de alguns pontos a distância, onde se ocorriam velórios ao ar livre e enterros.
Seu trovejo de dor e amargura se tornou numa leve risada confusa, misturando-se com alívio e arrependimento.
— Pois quando eu morrer, você sentirá a minha falta! — ela gritou, gesticulando como quem imitava outro alguém. — Sim... Quando eu morrer, vocês verão!, ela diz. Mas... ah, sei que sentirei falta da roupa guardada, sei que sentirei falta da louça lavada, sei que sentirei falta da casa arrumada, sei que sentirei falta da comida pronta, sei que sentirei falta da toalha já no banheiro, sei que sentirei falta das contas pagas, mas não sei, eu não sei mesmo... — se encolheu, se abraçou, soluçou e se ergueu outra vez. — Não sei se sentirei falta de você. — deu de ombros, enquanto perdia o fraco controle de seu choro intenso. — E — soluçou —, se isso te fere menos... saiba... que também me machuca.
Samanta apontou para o seu peito.
Outra vez, se agachou para abraçar-se, abraçar suas pernas frente ao túmulo daquela mulher, mãe de dois filhos e casada há treze anos.
— Tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa. — ela se balançava como quem se pousia para mimar e dormir daquele que viria a ser um pesadelo, ou não. — Não é injusto alguns serem amados? Não é injusto olharem para a sua família e lhe dizerem que você deve ser amada? Não é injusto a verdade só ser vista do ponto de vista de dentro do caos? Não é injusto imaginar como seria? Sabendo que nunca, nunca será. Nunca, nunca... Nunca, nunca. Ah... Tanta coisa, tanta coisa, tanta coisa. — ela segurou o choro para que houvesse pausas para a respiração. — Eu já quis ser amada, até querida. Tola, acreditei que um dia seria. Um dia ela me veria, um dia aconteceria! Eu já quis tanto ser aceita, até abraçada. Boba, dava o primeiro passo. Um dia ela retribuiria, um dia aconteceria! Mas nunca, nunca, nunca aconteceu.
Samanta, sentada na grana que pinicava, abraçada as suas pernas magricelas, ergueu sua cabeça, de olhos fechados para o céu nublado.
— Queria que soubesse que eu queria apagar as nossas más memórias, mas você nunca se deu ao trabalho de querer escrever novas lembranças... Eu queria ser abraçada, sabia? Eu queria ser abraçada. — dizia ela enquanto se tocava. — Quem sabe um dia passe. Quem sabe um dia sare. Talvez um dia eu me arrependa, talvez um dia eu volte atrás... porventura eu perdoe, porventura eu queira voltar no tempo, assim, quando não for mais possível... como ela sempre disse que seria... mas hoje, nem por hipótese, eu consigo dizer em voz alta que eu te per-... Não. Hoje não dá.