𝟎𝟏. Encarcerada

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É surpreendente a capacidade que a nossa vida tem de mudar drasticamente em um mísero piscar de olhos. Uma hora você está pulando, enchendo a cara de bebidas duvidosas e se divertindo enquanto berra uma música a plenos pulmões, e em outra aparecem algemas nos seus pulsos, você é jogada dentro de um camburão e te encaminham para um lugar onde passará pelos piores e mais desafiadores momentos da sua vida. 

Só haviam duas regras simples: sem Europa e nada de telefones. 

E o que eu fiz? Totalmente o contrário. Fui para Madri e arranjei um celular. Péssima ideia. Péssima não, horrível.

Olhando para um ponto qualquer, sentindo meus pulsos e canelas arderem por conta das algemas extremamente apertadas, me perco em pensamentos condenadores. A raiva que sinto é imensa. A última vez que senti tamanho ódio como agora fora há meses atrás, quando uma briga idiota me fez fugir de uma cidade minúscula na América Latina e vir parar aqui, na Espanha.

Quando o Professor nos surpreendeu com a notícia que seríamos divididos em duplas, em um navio onde meus dedos chegavam a queimar pelo tamanho frio que fazia na região oceânica em que estávamos, descobri que eu estava predestinada a ficar com a Nairóbi, e que já tínhamos um destino decretado.

Nós duas partimos para a Argentina e nos estabelecemos na província de La Pampa, uma cidadezinha rural, com extensas áreas dedicadas à produção de grãos e pecuária. Os primeiros meses foram incríveis, conhecemos a região e diversos pontos turísticos, aprendemos sobre a cultura e valorização da comunidade para com a natureza e, de quebra, fizemos amizade com uma galera animada que sempre nos convidavam para festas aos finais de semana. Mas, aos poucos, o encanto de morar juntas foi se esvaindo. As brigas se tornaram constantes, na maioria das vezes sendo por motivos banais, até que, na última que tivemos, eu saí de casa.

Era uma manhã ensolarada de sábado e eu finalmente retornava para casa após passar a madrugada com uma amiga que havíamos conhecido na região. No entanto, assim que entrei em casa, fui surpreendida por um homem revirando todos os cantos da nossa sala. À primeira vista, pensei que fosse um ladrão, mas quando o mesmo percebeu minha presença, ficou sem graça e começou a inventar uma desculpa esfarrapada sobre estar procurando por um relógio que havia perdido na noite anterior, enquanto, segundo ele, "tirava as roupas às pressas para… você sabe".

Estava prestes a expulsá-lo, quando a Nairóbi apareceu subitamente no cômodo, usando apenas uma camiseta gigante, que ia até a metade de suas coxas, com a cara toda amassada. Ela notou a situação estranha e se apressou em explicar que os dois haviam passado a noite juntos, e que o homem obviamente não era um ladrão nem nada do tipo. O sorriso amarelo dele não me convenceu nem um pouco, eu sabia o que tinha visto, e ele claramente não estaria procurando pelo suposto relógio atrás dos quadros da sala.

Um levantar de sobrancelhas meu foi o suficiente para ela entender que era hora dele ir embora. Me afastei e permiti que os dois se despedissem com certa privacidade, e, assim que o mesmo saiu pela porta, começamos a discutir.

Eu me alterei com razão, e tenho plena consciência disso, por mais que a Nairóbi tenha tentado argumentar que eu estava me precipitando por nada. 

Falei sobre o homem claramente ter levado ela para cama apenas para nos roubar na primeira oportunidade que tivesse, e foi mais que o suficiente para ferir o ego dela. Ambas começamos a jogar merda no ventilador, e finalmente expomos tudo o que vinha nos incomodando nos últimos tempos. Eu deixei claro a minha aversão aos vários homens que sempre apareciam na nossa casa no meio da madrugada, sendo a maioria pessoas que ela sequer sabia quem eram, no máximo tinha conhecimento sobre o nome. Ela também não ficou para trás, fez questão de jogar na minha cara o meu descaso em avisá-la quando saía e passava praticamente uma semana sem dar notícias nem sinal de vida.

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⏰ Última atualização: Jan 19 ⏰

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𝗡𝗔 𝗠𝗜𝗥𝗔 𝗗𝗢 𝗘𝗦𝗖𝗢𝗥𝗣𝗜𝗔̃𝗢 (Zulema/You)Onde histórias criam vida. Descubra agora