PARTE 1 - FEITICEIROS E SEMIDEUSES

1 0 0
                                    

Qual é o propósito dos sonhos? Nos tornarmos corajosos? Termos esperança no futuro? Sermos pessoas melhores? Maiores? Não. O propósito de um sonho é nos manter acordados, despertos para o mundo real. O propósito de um sonho é nos mostrar todas as imperfeições que temos a obrigação de consertar. Se você tem um sonho, um objetivo, não se importe com o que as pessoas vão falar.


Talvez não fosse sobre isso que seu avô, Thaddeus, a havia dito. Ele era um homem velho, do tipo tradicional, com bengalas e frases filosóficas, mas era sábio, e entendia tudo o que deveria ser entendido. Sem dúvidas nenhuma, ele era o melhor homem que ela conhecia.


Quando seus pais foram condenados à morte por um amor improvável, Lyanna se imaginou sozinha por culparem ela de tal feito. Ela pensou que deveria começar a faltar a escola, que não havia mais motivos para sequer levantar da cama. Não foi isso que aconteceu. Ela descobriu ser neta de um homem poderoso. Descobriu que havia cidades escondidas no céu, e monstros perigosos na noite. E foi acolhida por pessoas iguais a ela. Ou pelo menos era isso que eles queriam que ela acreditasse. Lyanna nunca fez parte deles.


Para alguns, Lyanna, você é um sonho. Uma amostra do que o mundo poderia ser. Portanto, você é ignorada. Desprezada. Sua vida vai parecer não ter sentido quando, na verdade, você é quem está dando sentido a vida dos outros. Continue assim. Me orgulho do que você se tornou.Será que ele ainda teria orgulho dela? Enquanto encarava a cidade de Nova York do alto, vendo um sol desaparecendo entre os prédios, Lyanna sentiu que seus olhos poderiam lacrimejar. Nada. Nem mesmo uma gota sequer. Ela não conseguia chorar. Não havia remorso. Ela era um sonho, e, com aquilo, continuaria dando sentido a vida de vários outros. Precisava dar, ou todas aquelas mortes haviam sido em vão.


Mortes.


Ao olhar para sua mão, percebeu que o sangue não tinha sido lavado por completo, e acabou secando, a obrigando se lembrar de todos que morreram ao enfrentá-la. Não era assim, não precisava ser assim, mas ela quis. Não sentiu pena ao matar os guardiões daquele corredor, e não hesitou por um segundo sequer ao matar todas aquelas pessoas, com aquela explosão. Milhares de sua espécie morreram, e ela simplesmente não se importou.


Eles entenderiam quando tudo estivesse no eixo. Às vezes, alguns sonhos precisam se tornar pesadelos para que façam sentido na cabeça de alguém, e eles precisavam de pesadelos naquele momento. Eram tempos fáceis para sua espécie, e isso os torna arrogantes e cheios de soberba.


Mas isso iria mudar graças ao livro que colocara ao seu lado, com sua capa cinza e com uma grande árvore na capa, com quatro galhos que se estendiam pela contra capa. Era chamado de Livro dos Mortos por conter ironias por parte deles. Arrogantes e sarcásticos, como idiotas que veem o mundo preto e branco.


— Pegou? – Saiu de seus devaneios quando ouviu a voz sedutora em suas costas.


Ela nunca o viu, sempre foi obrigada a ficar de costas para ele. Era um homem inteligente, com uma certa malícia em sua voz. Não era só isso que havia em sua voz.


— Entregue-me.


Sem pensar duas vezes, ela o fez. Não havia como não o obedecer. A voz. Havia algo nela que fazia Lyanna estremecer e não ter o controle de seus próprios pensamentos e corpo. Segurou o grimório até fazer o nó dos seus dedos esbranquiçar e, em um rápido movimento, jogou-o para trás. Sentiu a arma mais poderosa do mundo escapar de suas mãos quando ouviu o som das páginas sendo movimentadas.


— Onde está? – Ela percebeu falhas na voz dele. Não estava feliz com o que estava vendo.


— Posso ir? – Lyanna sentiu algo escorrer do seu rosto. Algo quente. — Você pediu o livro, eu te entreguei.


— Não, garota. Eu não pedi o livro. Me dê a pedra.


Ela achou que ele havia esquecido dela, mas não. Retirou do bolso do seu casaco a pequena esfera com fumaça viva, se contorcendo dentro dela. Outra das coisas mais poderosas que ela simplesmente roubou para uma pessoa qualquer. Jogou a pedra para trás, como a boa lacaia que era.


— Eu preciso mesmo fazer isso? - Ela perguntou, enquanto se levantava contra a própria vontade. Achou que não precisaria mais, afinal, ela havia o ajudado, havia lhe feito tudo o que pedira. Roubou o grimório dos feiticeiros, roubo a Cristalys deles. Ela até mesmo havia roubado o deus deles.


Não houve respostas, então encarou o chão, a mais de dez andares abaixo. E então, Lyanna pulou, e o mundo ficou em câmera lenta, a enchendo de milhões de perguntas.


O que ela estava fazendo?


Que tipo de magia era aquela?


Por que não se controlava?


O que era aquele ser?


Nada importava, enquanto o chão se aproximava. Ela dera início ao fim do mundo, com todas as palavras. A última coisa que pensou antes de se esborrachar no chão foram as palavras de seu avô.


Ela não era um sonho, uma coisa que inspiraria os outros. Lyanna era um pesadelo.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Oct 30, 2023 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

O Livro dos Mortos (Primeiras Armas - Vol. 1)Onde histórias criam vida. Descubra agora