CAPÍTULO XXIII PRAZO DADO

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- Preciso falar-lhe amanhã, sem falta; escolha o lugar e diga-me.


Creio que José Dias achou desusado este meu falar. O tom não me saíra tão

imperativo como eu receava, mas as palavras o eram, e o não interrogar, não

pedir, não hesitar, como era próprio da criança e do meu estilo habitual,

certamente lhe deu idéia de uma pessoa nova e de uma nova situação. Foi no

corredor, quando íamos para o chá; José Dias vinha andando cheio da leitura de

Walter Scott que fizera a minha mãe e a prima Justina. Lia cantado e compassado.

Os castelos e os parques saíam maiores da boca dele, os lagos tinham mais água

e a "abóbada celeste" contava alguns milhares mais de estrelas cintilantes. Nos

diálogos, alternava o som das vozes, que eram levemente grossas ou finas,

conforme o sexo dos interlocutores, e reproduziam com moderação a ternura e a

cólera.


Ao despedir-se de mim, na varanda, disse-me ele:


- Amanhã, na rua. Tenho umas compras que fazer, você pode ir comigo, pedirei a

mamãe. É dia de lição?


- A lição foi hoje.


- Perfeitamente. Não lhe pergunto o que é; afirmo desde já que é matéria grave

e pura.


- Sim, senhor.


- Até amanhã.


Fez-se tudo o melhor possível. Houve só uma alteração; minha mãe achou o dia

quente e não consentiu que eu fosse a pé; entramos no ônibus, à porta de casa.


- Não importa, disse-me José Dias; podemos apear-nos à porta do Passeio

Público.

Dom CasmurroOnde histórias criam vida. Descubra agora