⭑ medíocre e ordinário.

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Sempre acreditei que minha existência, minha vida fosse ordinária; sempre me enxerguei como um poço de mediocridades, pois comparado ao meu irmão mais velho prodígio, eu era medíocre com a minha timidez e a necessidade de não ser percebido. E até certo ponto, eu havia aprendido a lidar, já quase não me importava, pois se eu não fosse lembrado, visto, não existia.

E partindo da premissa de que eu era o garoto fantasma que apenas os professores enxergavam quando lhes convinha, estava tudo bem comigo e minha existência ordinária, a confirmação de que eu não passaria de muita coisa para meus pais além da sombra de meu incrível irmão.

Entretanto, quando se tem um irmão perfeito que serve como seu exemplo para o sucesso e o período para ingressar no ensino superior se aproxima, é como se o cobertor que o meu eu criança houvesse puxado sobre si para se esconder dos monstros fosse brutalmente rasgado por um gigante irado. E aí a criança encolhida e trêmula na cama, olha pela janela e enxerga o amanhecer, mas os raios de sol que entram pela fresta da janela já não o acalentam; o fazem saltar da cama e rolar para baixo dela para se esconder e proteger, entretanto o gigante o arrasta pelos pés para fora e grita em sua face, fazendo seu frágil corpo estremecer.

Sim, eu não estava preparado para o ensino médio, para Welton Academy. Sempre tive dificuldades em me adaptar a novos ambientes e meus pais não poderiam se importar menos com meus sentimentos, pois eles acreditaram fielmente que caso eu tivesse a “disciplina” de meu irmão talvez eu viesse a ser um médico, delegado, policial, gerente de uma enorme companhia de renome.

Eles não sabiam ou não percebiam, mas Jeffrey era tudo. O troféu mais brilhante da estante enquanto eu, era um troféu velho, amassado e com rachaduras e por mais que tentassem me desamassar e polir, certamente não iria ajudar, mas claramente falar não iria adiantar. Ao menos não quando sua voz é ouvida, mas suas palavras não são escutadas.

De início cheguei a crer que pudesse continuar vivendo feito um fantasma, entretanto, Neil Perry era extrovertido o bastante para não permitir que eu fosse deixado de lado por seus melhores amigos. Incluindo Cameron, o cara das sardas que me recepcionou com uma bela piada de mau gosto sobre mim.

De qualquer modo, não tinha o intuito de ser próximo de Richard, qualquer um de seus amigos ou até mesmo você, Neil. Todavia, Perry com suas expressões alegres e modo leve de levar a vida, me cativou. E somente porque tu me cativastes, que segui seus passos até a gruta e aceitei me tornar um membro daquilo que chamaram de “Sociedade dos Poetas Mortos".

Cativado por você, tive a coragem de permanecer de pé na frente da turma e criar uma poesia para Keating e só porque vi sua expressão de encanto eu sorri, sentindo meu coração descompassar as batidas como se eu houvesse corrido uma maratona.

Me recordo da noite tempestuosa em que você ficou acordado até às quatro e quarenta da madrugada me ajudando com um dos deveres de latim e sempre que eu acertava algo, você lia pra mim algumas de suas poesias mais sinceras e apaixonantes. Ainda que a luz estivesse baixa, eu conseguia observar o seu olhar atencioso e sentir teu toque quente em minha bochecha. A ponta de seus dedos deslizando aquele pedaço de pele como se eu fosse uma recém descoberta que você gostaria de reivindicar.

E então eu me recordava das lições de Keating e aproveitava cada segundo de meus dias ao seu lado; escapava para a ponte do lago em que ajudava você a revisar os textos antes dos seus ensaios e pulava o muro com você para comprar um café e discutir a leitura de algum clássico enquanto seguia contigo para o teatro.

E eu te assistia, gritava, aplaudia e te encarava da plateia com meu peito repleto de orgulho por você e a sua coragem em se impor, em não aceitar uma vida ordinária e recusar se encaixar na mediocridade como eu.

Você e Charlie sempre foram meus maiores exemplos de coragem e rebeldia. Me sentia bem sendo rebelde com você, vivendo com a adrenalina do perigo correndo nas veias em todas as vezes nas quais perdemos o café da manhã por que os beijos de bom dia se tornaram amassos mais intensos e os broches combinando nos blazers do uniforme foram um de nossas ações de rebeldia mais significativas; o anúncio de algo que não nos permitiam dizer.

A confissão de um amor intenso e puro, de que eu havia sido cativado e me tornado responsável por cuidar de seu coração quase tão bem quanto você zelava pelo meu.

Todavia ter sido a criança puxada por um gigante raivoso não foi de todo ruim, esbarrar nos caminhos de Neil Perry e passar a caminhar consigo me ensinou mais do que sou capaz de dizer. Me garantiu que eu vivesse muito mais do que eu seria capaz caso insistisse em meu estilo de vida fantasmagórico.

Ser percebido pelo professor e colegas certos me mudou, pois me deu a percepção de que para fazer de minha existência algo bom, para fazer de minha vida algo extraordinário, não necessariamente devo ir bem na escola e me tornar um médico ou bancário como desejam meus pais, muito menos adquirir "disciplina" e perder toda a paixão pela minha vida.

Pois para viver e ser extraordinário, só precisaria ter Neil Perry comigo para me ajudar a tomar conta de mim mesmo, me fazer pular muros do colégio e andar em sua bicicleta enquanto ele corria sem medo de ter que parar, como se com ela pudesse mudar de país e ser completamente livre junto de minha companhia.

Na verdade, Neil Perry sempre foi um prodígio extraordinário e diferente de meu irmão que me fazia sentir pequeno ao seu lado, Neil era meu satélite particular que me fazia sentir que importo e sou especial, e talvez para ele eu seja mesmo. Afinal, se sou cativado, para ele me torno necessário e extraordinário.

cativado. ⭑ anderperry.Onde histórias criam vida. Descubra agora