Prólogo

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Chance


Faz seis meses que mudamos para Lisboa.

Nossa casa cara e grande em Londres foi trocada por um apartamento de bairro social, mas eu não me importo. O que me incomoda é ver o meu pai triste por não poder nos manter mais em uma escola privada, andar por aí em um carro caro ou, pior ainda, não conseguir um emprego na área dele.

Resmunga para a mamãe todos os dias que sujaram o seu nome e agora precisa atender em um balcão de bar para pagar por esse lixo onde estamos vivendo, porque morar em Portugal é muito mais barato do que em Londres.

Ela começou a trabalhar. Não sabia pegar um ônibus e nunca tinha feito outra coisa além de cuidar de mim e de Tilly, mas, pelo menos, diferente dele, sabe falar português, porque seus pais nasceram aqui, mas eles já morreram, e nós somos os únicos que restaram. Eu penso muito nisso, porque o papai fala com tristeza que, se pelo menos tivéssemos onde ir jantar de graça uma ou duas vezes na semana, seria de grande ajuda, e eu não entendo como fomos de restaurantes caros na Inglaterra a isso.

Matilde tem oito anos e ficou triste por mudar de escola. Eu sou seu único amigo agora, e me esforço para brincar com ela e suas duas bonecas que a deixaram trazer.

Olho para os seus cabelos pretos esparramados no travesseiro e seguro o ombrinho magro.

— Ei, Tilly, acorde. É domingo.

Ela sabe o que isso quer dizer. É o único dia da semana em que estamos todos em casa, o dia do passeio.

Não há dinheiro para comprar nada, e costumamos fazer um piquenique em algum lugar perto, para não gastar muita gasolina.

— E deem graças a Deus que ainda não nos tomaram esse carro velho também — papai repete sempre.

Deixei tudo pronto antes de dormir, porque a nossa mãe anda bastante cansada, e fiquei com receio de que se recusasse a sair.

Minha irmã suspira e abre os olhos. Nunca vou me esquecer deles, do último dia em que os vi, amendoados e sinceros, procurando em mim toda a confiança de que precisava.

Ela salta da cama e deixo que se vista enquanto trato de ajudar a mamãe a convencer meu pai de que sair pode ser bom, tomar um ar.

Eles estão na sala. Ouço suas vozes quase como uma discussão, mas em sussurros:

— Tudo vai se resolver, querido. É só dinheiro — mamãe fala.

— Não é só dinheiro. É muito maior do que isso, são as nossas vidas, eles nos tiraram tudo o que tínhamos, agora querem a nossa dignidade e... — Ele se interrompe quando paro na porta.

Percebo que, ao me ver, enterram pilhas de carta debaixo da fruteira sobre a mesa e me encaram daquele jeito de quem está fazendo algo errado.

— Vamos?

Ninguém me responde, há apenas movimentos de cabeça antes de se levantarem.

No carro velho, papai foge de olhar para mim pelo retrovisor, mas analiso as veias avermelhadas em seus olhos, a água pairando na borda da pele, os nós dos dedos brancos na direção.

— Para onde vamos hoje? — cantarola Matilde.

— Para um lugar melhor — papai responde de um jeito estranho, rouco.

Preciso segurar na maçaneta quando acelera de repente. Estamos no início de uma curva, subindo o morro sobre o qual acho que ouvi a nossa mãe comentar ontem, Serra da Arrábida ou algo assim.

— Carl... — Ela segura o braço dele e enterra os dedos, como eu, na porta.

— Pai — falo, assustado.

O carro treme, o motor luta, mas o pé dele apenas afunda no acelerador, ganhando velocidade.

— Carl, a curva — diz mamãe, em tom nervoso.

Tilly olha para mim, agarrada à sua boneca.

Estendo a mão, e ela aceita.

— Eu amo vocês, tanto que não posso permitir que vivam essa vida. Tudo vai melhorar, vou cuidar disso. Ninguém vai nos usar. Quem está fazendo isso com a gente, não vai ter o que quer. Eu não vou dar a eles.

É a última coisa que ouço vinda da boca do meu pai.

Sei que não vai dar tempo de frear. Eu costumava jogar muito videogame de corrida de carros quando vivíamos em Londres. É óbvio agora que vamos cair, encerrar aqui todos os nossos problemas.

Matilde olha para mim como se suplicasse, e eu sei que preciso fazer isso por ela. Sem me dar tempo para pensar, solto nossos cintos de segurança e abro a porta.

— Chance! — minha mãe grita.

O penhasco está logo ali quando a mão pequenina da minha irmã escapa, e antes que eu possa agarrar Tilly de novo, eu já estou saltando, assim como eles, só que em outra direção.

Tudo começa a arder em meu corpo. O ruído de metal sendo retorcido zumbe nos meus ouvidos enquanto rolo, rasgando a roupa, assim como o meu joelho.

Sinto a cabeça quicar no asfalto e termino no chão batido, sentindo o gosto da minha língua mordida misturado com areia, tentando ignorar o quanto é doloroso o silêncio que me rodeia.

Pressiono as mãos no chão e o pescoço dói quando levanto o olhar e percebo que estou sozinho.

Dou um grito que vai me perseguir para sempre:

— Tillyyyyy!

Choro a ponto de não conseguir respirar, pensando que o ser humano faz qualquer coisa por dinheiro, até destruir uma família.

Agarrado à minha raiva, eu só tenho uma certeza. Eu vou achar quem fez isso.

Arrasto o dedo pela areia, unindo grãos com as minhas lágrimas.

"Eu vou tirar o seu pedaço mais importante".

REVENGE - O Reitor e a Universitária |AMOSTRA|Onde histórias criam vida. Descubra agora