Amanhã

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Haviam duas tribos no velho mundo dedicadas ao culto dos deuses estrelados. Os guerreiros do leste amavam Aton, o Dourado, o astro amarelo que nascia trazendo o amanhecer e toda a vida. Os bruxos do oeste adoravam Noa, a Manchada, a estrela que adormecia o mundo e despertava os horrores da noite.

Entre os povos, firme no solo que um dia fora uma floresta de carvalhos negros, mas agora não passava de um campo árido e quase sem vida, estava Mara, a Árvore do Mundo que regia a vida em uma orquestra quase perfeita desde o começo dos tempos. Em seu interior um labirinto espiral testava os visitantes com a promessa do poder dos deuses, a essência de Aton e Noa, a semente para um mundo governar.

Conhecida como Mãe, Senhora ou até mesmo Avó, a Árvore do Mundo separava os guerreiros e bruxos com suas raízes milenares formando uma muralha de espinhos, mas não impedia que os mesmos adentrassem em seu interior para buscar o prêmio divino. Se a Mãe pudesse falar ela contaria histórias tristes escritas com sacrifício e sangue, isso porque os aventureiros, geralmente, encontram um fim horrendo seja por estupidez ou conflitos sangrentos entre tribos nos corredores sombrios do labirinto.

Esse conflito é fruto de divergências ancestrais. Enquanto os guerreiros do leste acreditavam que a luz era a resposta para todas as dúvidas e temiam os horrores da noite, o povo do oeste abraçava a escuridão e suas verdades frias e desconcertantes. São opostos, é verdade, porém, ambas as tribos ainda não foram capazes de entender que a charada da Avó não é divisão, e sim, a união.

No limite dos esforços para desbravar os segredos da árvore e trazer orgulho ao seu povo, uma jovem bruxa decide marchar sozinha até o leste. Ela cruzou as raízes da Mãe e adentrou no território dos apaixonados seguidores de Aton. Na mira de lanças e flechas ela falou, ferida por chicotes ela gritou, e em sua defesa Noa clamou. Os céus foram escurecidos e nem mesmo Aton fora capaz de interferir.

Aquele dia ficou conhecido como o Clamor dos Astros, o dia em que as tribos deixaram as diferenças de lado por medo, as dúvidas de alguns e até mesmo a certeza de outros. A guerra não era a solução, entretanto, fora esse o único caminho ensinado a eles pelos antepassados motivados pela cegueira da luz e o conforto da penumbra.

Em um tratado de paz cercado de desconfianças e atritos, os povos do oeste e leste lideraram expedições pelo labirinto da Mãe por longos cinco anos. As buscas exauriram a fé de muitos, mas havia aqueles que ainda acreditavam, e lembraram, do clamor de Noa, da manifestação da vontade divina. Assim como outros que nutriam um rancor pois enxergavam a manifestação de Noa como um artifício dos bruxos, e uma possível ofensa a Aton.

Nos corredores dos castelos a mentira corria livre, os boatos preconceituosos cegaram o julgamento dos amantes da luz e desencadearam a Noite das Lágrimas. Após avanços na tecnologia, medicina e até mesmo magia, finalmente os povos unidos foram capazes de desbravar o labirinto e alcançar os últimos andares. Lá enfrentaram o Meia-Noite, o Primeiro Dragão do Mundo; que dizia entre suas baforadas que "Não existe final feliz para tolos ambiciosos".

Com a queda da besta alada a Senhora estremeceu e os portões para um novo desafio surgiu. Através dele encontraram o Rancor, o Último Cavaleiro acorrentado por suas incertezas e preconceitos. Ele não sacou sua espada, pelo contrário, somente cravou a mesma no solo criando raízes escuras e podres enquanto ria e repetia "Apodrecidos desde as sementes... Não serão capazes de semear nada além do mesmo". A passagem estava livre e assim seguiram deixando o Rancor para trás com o seu sorriso maligno.

Finalmente o grupo alcançou o topo da árvore sagrada e lá estava uma jovem de longos cabelos rubros e olhos amarelos. O sorriso dela não tinha tanta vida e sua pele, escura como a noite, liberava faíscas brancas como os relâmpagos furiosos saídos de uma tempestade. Ela se apresentou como "O meu nome é Amanhã. Sou incerta, porém carrego a esperança do que fora semeado hoje". Completamente paralisados pela beleza de Amanhã, o grupo não sabia como reagir. Temiam comprometer o futuro de seus povos caso, por impulso, corrompesse o solo sagrado da Mãe.

Quando a mulher que iniciou toda essa campanha de união deu um passo em direção ao toque de Amanhã; veloz como um boato, implacável como uma punhalada, a flecha saída de um arco afundou nas costas da jovem destinada. Nem mesmo Noa e todo o seu clamor poderia ter salvo ela.

Traição. Três guerreiros de Aton atacaram quatro bruxos de Noa pelas costas sem chances de dialogar, sem prisioneiros, sem compaixão. Somente ódio e rancor. Os gemidos de agonia foram sumindo um a um até restar o da jovem determinada, a mesma que sofrera nas chicotadas, ela encarou Amanhã e desejou aos prantos um mundo de justiça, entretanto o seu braço estendido fora cortado pela espada de um guerreiro da cegueira.

Silêncio. O líder dos combatentes de Aton caminhou até Amanhã e finalmente pode tocar em seus braços. A luz da árvore sagrada fora se apagando e o sangue dos quatro bruxos mortos espalharam-se pelos troncos caindo no mundo como lágrimas rubras. Amanhã, a Mãe-Senhora-Avó amaldiçoou os humanos naquele dia.

Desde então uma chuva rubra assola o mundo dando aos mortais a corrupção que semearam na árvore divina. Aton e Noa ficaram em silêncio, duas divindades que em seus segredos acusavam um ao outro da falha de seus filhos e filhas. Amanhã continuou a vigiar e julgar os aventureiros que em sua teimosia encaravam o seu labirinto, entretanto, para a surpresa dela, eles vinham também do norte e sul, tribos antigas nascidas do amor das Luas Gêmeas.

Quem sabe não seja a hora das raízes do mundo conhecerem, de fato, os segredos da podridão e crescerem sob a escuridão...

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