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Quando eu comentei com Manuel que no dia seguinte teria uma reunião com Alfonso Herrera eu tive a impressão de que ele não tinha escutado direito porque ele sorriu e acenou com a cabeça. Continuei olhando para seu rosto um pouco confusa e ele disse apenas "tente não acabar com ele". Não perguntou para o que era, qual era meu plano, se eu precisava mesmo ir. No fundo eu esperava que ele dissesse que era melhor eu ficar em casa, só pra que eu pudesse ter uma desculpa. Mas não, ele era um bom marido e uma pessoa muito mais equilibrada do que eu. E era por isso que eu estava dentro de um carro com a Maria mal humorada às 9h da manhã chegando na casa do Alfonso.

— Porra, precisava ser tão cedo? — Maria reclamou enquanto terminava sua maquiagem no carro.

— Não reclama porque não era nem pra eu estar aqui se você tivesse simplesmente ignorado a mensagem que ele te mandou — retruquei.

— Podia pelo menos ser na sua casa, ele mora do outro lado da cidade — ponderou enquanto terminava de passar o rímel.

— Na minha casa, Maria? Como que eu ia enfiar o Alfonso na minha casa no auge da campanha do Manuel com tudo aquilo de fotógrafo parado lá na frente? — perguntei incrédula.

Maria pensou por alguns segundos enquanto guardava a bolsa de maquiagem na bolsa.

— Eu não acho que o Manuel e o Alfonso tenham tantos conflitos ideológicos assim. Ele podia até colaborar na campanha. O PVEM não é tão radical — ela insistia.

— Maria, é mais fácil o Alfonso lançar um movimento anarquista do que ser fotografado com o Manuel. Você sabe bem como ele é. Politicamente correto até a segunda página e viciado em discordar. Não ofenderia uma minoria nem numa conversa bêbado no quintal de casa. —resmunguei me dando conta de que estávamos chegando.

Percebi que ela dava uma risadinha silenciosa e já fiquei mais irritada.

— O que que é, Maria? Quando entrou no carro parecia que tinha dormido de calça jeans e agora fica dando risadinha aí — confrontei enquanto o motorista parava o carro.

— Nossa, Anahí, tá proibido ser feliz, é? Eu hein. Chata pra caralho.

Descemos do carro e ele veio nos recepcionar na porta da casa. Não ficou surpreso quando viu Maria, pelo contrário, parecia mais surpreso por me ver. Eles se cumprimentaram e logo o abracei. Quase cinco anos depois da última vez que tínhamos nos visto um pouco antes da pandemia. Tinha uma coisa sobre o Alfonso que me deixava muito irritada: eu podia estar decepcionada com ele, mas quando nos encontrávamos eu sempre me esquecia do porquê.

— Achei que você não vinha — disse enquanto ainda estávamos abraçados.

Quando nos soltamos eu fiz questão de olhar no fundo dos seus olhos com uma expressão que ele já conhecia. Deboche.

— Achou por quê? Eu disse que viria e eu cumpro com as minhas palavras — respondi desafiadora.

Maria já estava dentro da casa balançando a cabeça negativamente. Manuel se estivesse conosco com certeza diria algo para amenizar o clima. Mas eu e Alfonso nos conhecíamos tão profundamente que não era preciso que ninguém preenchesse nossos longos silêncios para aliviar os incômodos entre uma indireta e outra. Por fim, gargalhamos juntos.

— Eu senti a sua falta —  ele assumiu antes de fechar a porta.

— Por escolha sua — respondi. Não tinha saído de casa para perder.


Um brunch enorme nos esperava no quintal e eu tinha certeza absoluta que ele estava tentando me comprar com comida. O que naquele caso específico talvez tivesse dado certo porque aparentemente ele se lembrou do que eu amava e também do que eu não comia de jeito nenhum. Parecia que eu mesma tinha feito aquele cardápio. 

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⏰ Última atualização: Nov 24, 2023 ⏰

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