Chagrin | Luto

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"Não posso suportar o seu silêncio. Por que é assim? Não sei o que fazer com esses sentimentos agitados"  Obra assídua de Ingmar Bergman nos anos 70. 'The Touch', visceralmente apurado. Amor, desavenças, o pecado. O bruto. A arte. O impacto dessa frase batia a pancadas violentas em Tom, tal como um prisioneiro sendo torturado injustamente em uma ditadura. Perturbava a mente de Cecil como um enfermo a beira do falso alívio de uma lobotomia. Trágico. Um luto avassalador que corropia cada parte da sua mente, que se nublava mais. Que o coração se retorcia mais. Que os atos perdiam mais a identidade dura. Ela não queria aceitar. Ele não queria lidar. Um medo inebriante. Era deprimente ver aquela garota amoada pelo amor. Admitir seria libertador, mas, preferia definhar. Era difícil demais para se administrar.

"Querida, isso é atípico" a senhorinha deu risada ao ver a neta impactada com o que em dias casuais: acharia um absurdo. Se mataria para não assistir. Um filme do Godard. Ela segurava o choro ao ver Anna Karina também em lágrimas interpretando Nana em 'Vivre Sa Vie', a maneira como a protagonista miserável se encontrava como telespectador de 'A Paixão de Joana D'arc' em um clássico mudo de época, inundou a mente conservadoramente complexa e existencialista da admiradora de Bergman. Todos compadeciam da santa. Lembrava-se de Tom cantarolando 'Bigmouth Strikes Again', se desfez em um lencinho, secando as lágrimas. "Now I know how Joan of Arc felt. As the flames rose to her roman nose", uma metáfora descritiva de uma punição, talvez, quase divina. Cecil era católica. — Apenas caiu um cisco no meu olho. Por que está me me fazendo ver isso? — Retrucou a mais nova. "Tem o livre arbítrio de desligar e vermos outra coisa. Por que está vendo à mais de 15 minutos então?" Vovó Amélie foi perspicaz. Ela sabia exatamente o que estava acontecendo.

Cecil ficou baqueada com o questionamento. De fato, o que estava fazendo ali. Como a vó sabia tanto? Ela olha para nós, atônica. Vovó também te encara. Os Beaurepaire sabiam aonde estavam e por quem estavam. A plateia. A história. Apesar de alguns jogarem o script para o alto. Sabemos quem faz isso. Ela negou com a cabeça e cruzou os braços, fungando com a cena se dissipando para outra situação e da imagem da santa interpretada por outra, a musa Maria Falconetti. Poderia facilmente beijar seus pés.

Os cabelos da garota de apuros sentimentalistas, começou a ser trançado pelas mãos enrugadas enquanto com os olhos estreitos, fitavam a televisão. O filme sem legenda. O francês afiado na ponta da língua. Os diálogos vagos em parisiense na família típica. O alemão era forçado. Torturante. Como uma arma na cabeça mesmo que tentasse soar com leveza. Coisa difícil para transpassar naquele idioma intenso. "Gus me disse sobre o rapaz" ela deu um sorrisinho velhote. Ainda malandro. Curioso. — Por Deus. Vou arrancar as cordas vocais desse desocupado. — Pareceu nervosa com o assunto. Mas, a avó não se importava o suficiente. — É só um colega de faculdade. Quando o curta terminar. Acabou. — Mordiscou os lábios. "Será?" Riu. O que fez Cecil dar um olhar matador para a mãe de seu falecido pai. — Certeza absoluta. — Afirmou. Mesmo que não fosse isso que seu coração colapsava.

"Ele te acompanha até em casa" Amélie apertou os ombros tensos da menina. — Para que Georg não venha me incomodar, apenas. — Retrucou inquieta. "Também me disseram que a alguns dias atrás, veio entregar anotações das aulas que você perdeu" ergueu as sobrancelhas falhadas. — Eu estava doente e não tenho celular para receber on-line. Ele trouxe por que quis. — Um bico se formou. — Não pedi. Aliás, não quero mais ver esse filme estúpido. — Se levantou e pegou o bichano da grand-pére, Jacques Demy, acariciando os pelos longos do gato persa. "Seu pai também, era um cão mandado de Catherine na época escolar. Um bobo, um bobo apaixonado" pausou o filme, em um enquadramento perfeito Anna Karine em cena. "E veja só, deu certo" tomou um gole do seu café com biscoitos. — Não quero que Tom se mate por não aguentar minha existência miserável. — Disse com dureza o que gerou um olhar de desaprovação da mais velha. "Sabe que não foi assim. Mas, veja, você se importa" não era daquele modo que gostaria de ter chegado no X da questão.

Apavoro. Cecil estava se importando com Tom? Se sentou sob o tapete indiano e se esparramou teatralmente, como se o mundo estivesse acabado. E pra ela, talvez estivesse mesmo. — Vou fazer como Édipo em "Édipo Rei" e me cegar com tamanho desgosto. — Disse deprimida. "Eu sou velha, mas, não sou boba. É como um déja-vu", aquilo até lhe arrepiava de certa forma, enrugando mais ainda sua pele cheia de vincos e manchinhas. — A idade vem chegando e a demência também. — Recebeu uma bengalada fraca na costela. Ai. Dor passageira. Mas, aquela dor no peito a fazendo perder o ar, ainda não. Fora de cogitação. Não poderia ser real. Absurdo. Uma fase de um pseudo-luto que se prendeu em uma eterna negação emendada com barganha. Cecil era boa de lábios para os outros. Não pra ela mesma.

CINEMATIC | TOM KAULITZOnde histórias criam vida. Descubra agora