Parte 5

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Quando eu despertei, sem dor e bem mais relaxado, 1455 e 1456 estavam por perto. Elas me deram comida e perguntaram se eu precisava de algo. Neguei. Contavam que fariam qualquer coisa por mim porque deviam muito a Sasuke. Todos ali deviam. Ele passou por experimentos que buscavam criar um medicamento para tornar soldados ainda mais… eficientes. Resistentes e fortes. Com “fôlego sem fim”. Usaram DNA de animais geneticamente próximos com os humanos para lhes dar as características necessárias.

Chimpanzés, gorilas, diversos tipos de macacos, porcos, mamíferos aquáticos e afins.

É por isso que ele é tão forte, tão rápido e tão ágil, mas infelizmente perdeu parte de sua sanidade e da capacidade de discernir o que é real do que é criação da sua mente.

No entanto, Sasuke lutou para libertar a todos das violências médicas e clínicas que eles receberam por anos e decidiu que todos são família. Contaram que Sasuke sempre viveu sozinho, indo de batalha em batalha, seguindo ordens, vendo seus amigos morrerem. Eu entendi pela conversa que na loucura incitada pelos experimentos e pelos traumas da carreira militar, Sasuke buscou o que lhe foi tirado, construiu uma família com outros que perderam tudo, então partilham da mesma insanidade afetiva. Não havia outro caminho para eles após a fuga se não ficarem juntos para se cuidar e se protegerem das desgraças que os condenaram.

Depois de me servirem o café da manhã enquanto contavam essas histórias, 1456 disse que eu devia me vestir. Pedi que elas me deixassem a sós para isso, que fossem se preparar para o casamento. Animadas como adolescentes, partiram para outro quarto. Sozinho e com uma decisão grande a tomar. Olhei-me no espelho de corpo inteiro. Sozinho, com as doces palavras de Sasuke retumbando pela minha cabeça, ondulando, cantando.

Tirei minha roupa, ficando só de cueca.

As marcas de pancada ainda não sumiram. As surras que eu levei dos meus pais deixaram cicatrizes. Fui ao banheiro tomar banho e quando voltei, uns dez minutos depois, a maquiagem havia desaparecido. A violência que vivi ficou ainda mais explícita.

Eu sempre estive sozinho, mesmo depois de adotado. 

Nunca me senti em casa, nunca me senti acolhido depois de crescer.

Meu corpo não esconde a minha solidão, mas meu corpo também lembra da delicadeza de Sasuke ao me abraçar, ao me tocar e a sua voz ao dizer que me ama.

Meus pais nunca disseram que me amavam. Nem por gestos.

Antes que pudesse pensar nas minhas ações com mais clareza, eu já estava pondo o vestido, uma parte de cada vez com cuidado para não rasgar as anáguas e a camisola que vai por baixo, como um tipo de lingerie.

Por incrível que pareça, não ficou apertado. Parece que a velha vovó usou parte da cauda e da barra, reduzindo o comprimento, para enlarguecer o corpete e a saia. Ficou bom, admito, é bem diferente. Calcei minhas botas de salto, as pretas com as quais sinto conforto ao andar, e me vi diante do espelho. Maquiagem. Eu percebo que de alguma forma assenta em mim, me orna, noivo-noiva de um maluco.

Um maluco gostoso, apaixonado, devoto e com toques de psicopatia. 

Um maluco que me ama.

Estou tremendo e quero chorar. De felicidade. Deus, o que deu de errado comigo? É errado que eu, talvez, tenha me apaixonado por alguém que escolheu me amar? Como nos contos de fada. Eu vou me casar.

Eu, uma gay afeminada ao sair à noite, gordo, machucado e sem graça.

Vou me casar.

De véu e grinalda.

Vesti o casaco para me proteger do frio, prendi o véu com grampos e pus a grinalda que mais parece uma tiara de princesa.

Fiz o meu melhor com a maquiagem que trouxe.

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