"He had it comin'
He only had himself to blame
If you'd have been there
If you'd have seen it
I betcha you would have done the same"— Cell Block Tango, Chicago.
A moto parou diante da entrada que um dia fora mais familiar a Celeste do que a imagem de seu próprio rosto. Ao descer, ela respirou fundo, tirando o capacete e inspirando o cheiro familiar de mato e praia que emanava daquela parte da serra, algo que Celeste não sentia há quase duas décadas e meia, algo que uma vez estivera tão entranhado nela que poderia muito bem ter sido parte de seu DNA.
Celeste sentira tanta falta do mar nos anos em que estivera casada com Pieter Machado que poderia colapsar bem ali em um choro sentido de pura saudade, apenas por causa daquele pequeno pedaço do que ela sabia que a estava esperando. Mas aquela ainda não era uma opção na mente dela — Celeste precisava chegar até a praia, ela precisava ver por si mesma que tinha escapado de uma vez de sua prisão depois de tantos anos. Ela precisava ter certeza de que aquilo era real, não apenas uma das brincadeiras mais cruéis de Pieter. Ou algum tipo extra longo e cruel de sonho.
Trêmula, ela passou pelo buraco no mato, que logo se revelou uma passagem para uma grande rampa de concreto repleto de areia e terra. Celeste fechou os olhos, quase ouvindo as risadas que ela, Oscar e Dante tinham dado ao correr por ali quando eram novos demais para compreender os perigos do mundo. Mais vezes do que poderia contar, Celeste desejara voltar àquela inocência cega, àquela confiança de que tudo acabaria se resolvendo de maneira simples, àquela fé inabalável nos adultos a sua volta, porque eram eles quem a protegiam.
Mas a realidade era muito mais complicada do que aquilo, como Celeste aprendera com o tempo.
Nervosa, sua mão viajou para o lugar de seu colo em que seu pingente dourado costumava repousar, apenas para não achar absolutamente nada. Ela o deixara para trás com Pandora, na esperança de que sua filha pudesse finalmente se libertar de um destino que ela não queria seguir, mas que Pieter estava forçando sobre ela do mesmo jeito que as escolhas de Celeste tinham sido forçadas há quase vinte e cinco anos atrás.
Ela estremeceu com aquelas lembranças, engolindo em seco — Oscar e sua mãe mortos, seu pai apontando uma arma para ela, os gritos desesperados de Dante...
Mas logo, tudo aquilo chegaria ao final e Celeste finalmente teria tempo para pensar em um pouco de descanso, embora não houvesse férias no sentido literal das palavras quando se era um Koletti. Celeste não se importava: ela sabia que o trabalho de liderá-los seria pesado, mas estava mais do que preparada para reclamar o lugar que era seu por direito e por nascença. E sabia que podia confiar em sua família para ajudá-la.
A rampa de acesso à praia particular se estendia por alguns metros, todos eles supervisionados por câmeras das quais Iris se lembrava com perfeição. A praia era privada à família dela, por isso não havia qualquer placa de sinalização na entrada, embora qualquer um pudesse entrar à qualquer hora. Celeste sabia que qualquer um que tentasse estaria cometendo um erro e qualquer ladrão de baixa classe da região sabia daquilo também. Turistas nunca saberiam que havia uma entrada ali apenas passando por ela de carro, portanto não eram um problema na maior parte do tempo.
O caminho era escorregadio, desacelerando a pressa de Celeste à força, não importava o que ela tentasse. Com um suspiro, ela mordeu os lábios com força, tentando conter sua própria ansiedade. Seu pingente fazia falta em horas como essas, mas Celeste sabia que não teria sido possível trazê-lo, não quando ela precisava que Pandora embarcasse em sua própria jornada para descobrir toda a verdade.
E para mantê-la longe do radar de Pieter enquanto Celeste fazia o que tinha que fazer, é claro.
Os planos de Celeste não eram detalhados, porque ela sabia que seria inútil esperar que todas as variáveis corressem a favor dela, por isso Celeste estava, a partir dali, agindo quase cegamente. Ter sido uma espiã em território dos Demetriou tinha sido útil o suficiente, mas agora ela precisava de suporte para atacá-los onde doía — Pieter principalmente, porque a verdade era que ele era o único alvo real de Celeste.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Seis Mulheres Reais
General FictionNessa coletânea de contos do universo da Série Circo dos Horrores, o leitor vai se deparar com a história pessoas de seis mulheres que, apesar de personagens relevantes nas histórias dos dois primeiros livros, só têm seu protagonismo revelado aqui. ...