Escrevi esse conto no início do ano de 2009 motivado pelas diversas leituras que fazia (e ainda faço) no percurso de casa para o trabalho. Deste então, este texto permaneceu guardado em meus arquivos pessoais e só agora, 6 anos depois, decidi fazer sua 1ª publicação.
Espero que goste da história e perdoe eventuais equívocos gramaticais, pois esse texto não foi realizado por profissionais da escrita, diagramação e ilustração, foi escrito apenas por uma pessoa comum que resolveu colocar no papel suas "absurdas" estórias e compartilhar com os demais.
Muito obrigado e boa leitura!
R. S. Pimentel
Obrigado DEUS!
A ÚLTIMA MENSAGEM - As coisas acontecem por alguma razão.
Vou contar a história do dia em que acordei num final de tarde no banco de uma praça. Não tinha a mínima ideia de como fui para ali e muito menos conseguia me lembrar o que eu havia feito para chegar até aquela praça. Quem passasse pelo local e me visse deitado naquele banco, no mínimo, acharia estranho um rapaz devidamente bem vestido, barba feita, com dinheiro e documentos no bolso pudesse estar ali deitado e dormindo a céu aberto em um local público fazendo companhia aos mendigos espalhados pela cidade. Somente sendo um drogado ou um alcoólatra, as pessoas podiam imaginar. Mas nunca consumi drogas em toda minha vida e bebida, somente em ocasiões especiais, mesmo assim em quantidades moderadas. Quando abri os olhos minha visão foi ofuscada pelo raio de sol. Tive que abrir e fechar os olhos repetidas vezes até que minha visão voltasse ao normal. Quando recuperei por completo a visão, contemplei parte daquela que parecia ser uma bonita praça de altas árvores e chão revestido por paralelepípedo cinza. O sol já estava se pondo e uma leve brisa movimentava suavemente toda a vegetação ao meu redor. A impressão é que uma agradável noite estava se aproximando. Como a maioria das noites do mês de dezembro, onde o início do verão se aproxima e as pessoas aproveitam o clima do final de ano para saírem de suas casas, olharem lojas e vitrines com a decoração de Natal. Na minha frente, do outro lado da passagem, havia uma lixeira com os dizeres: PREFEITURA MUNICIPAL / MANTENHA A CIDADE LIMPA. Meu corpo estava rígido, como se eu estivesse deitado por várias horas na mesma posição. Vagarosamente virei meu corpo de forma que minhas costas ficassem apoiadas por completo no banco. Senti fortes dores em minhas costelas do lado esquerdo e uma forte pressão em minha nuca. A cabeça também estava latejando como se ali estivesse instalado um coração num ritmo acelerado. Com os olhos bem abertos pude observar como o céu estava limpo naquele início de verão, mas controlava minha respiração, pois a cada elevação do meu tórax a dor em minhas costelas aumentava. O cimento duro do banco havia acabado com meu corpo pelo tempo que fiquei deitado. Como se estivesse em câmera lenta, e ainda controlando a respiração, fui esticando minhas pernas vagarosamente. Quando minhas pernas estavam quase que totalmente esticadas e paralelas ao banco, as pontas de meus pés tocaram-se em alguma coisa macia. Parei os movimentos e lentamente levantei a cabeça para ver o que era. Tomei um puta susto e rolei do banco caindo no chão - agora as dores que sentia em meu corpo aumentaram de intensidade. Isso me deixou imóvel com a cara virada para o chão. - Ai, caramba! - esbravejei com a cara ainda virada para o chão.
- Desculpe meu jovem, não quis assustá-lo. - Uma suave voz vinda acima de mim entrou delicadamente em meus ouvidos. - Deixe-me ajudá-lo a levantar. - repetiu aquela agradável voz.
- Obrigado, mas pode deixar que faço isso sozinho. - Apoiei as palmas das mãos no chão e como se fosse um movimento de flexões de braço sustentei meu corpo no ar por poucos segundos e logo na seqüência apoiei meus joelhos. Arrastei-me até o banco e com muita dificuldade consegui sentar. Costelas, nuca e cabeça latejavam com maior potência - não estava bem. Sentei-me de cabeça baixa com a mão segurando a nuca - a dor estava realmente me incomodando. Virei minha cabeça para a direita e ali estava sentado ao meu lado um senhor com ralos cabelos brancos, vestido com camisa branca de manga longa, calça de sarja creme e sapatos e cito marrons. Aparentava ter entre 60 a 70 anos. Em uma das mãos segurava um jornal enrolado como se fosse um canudo.
A praça ficava localizada na parte central da cidade e naquele horário poucas pessoas circulavam por ali, pelo menos próximo onde eu estava. Desde quando acordei, vi apenas uma garota vestida com roupa de ginástica azul e branca passando correndo e ouvindo música. Olhei no meu relógio, era 17h15. No horário de verão nacional às 19h30 começaria a escurecer. Precisava ir embora, as dores agora não eram o que mais me incomodava, sentia também um forte mal estar. Sabe aquela sensação no corpo que você só tem certeza que irá melhorar após um banho e horas de sono? Pois bem, era assim que estava me sentindo. A agradável brisa tornara-se um fraco e incomodo vento que trazia com ela toda a poeira para dentro dos meus olhos.
- Parece mal, filho. Posso ajudá-lo em alguma coisa? - falou o senhor ao meu lado com sua agradável voz. - Precisa se cuidar!
- Estou bem, senhor. - menti para ele. - Onde estou? Que praça é essa? Como vim parar aqui?
- Você está no centro da cidade, mas não sei dizer como chegou aqui. - respondeu o senhor.
- Senhor - franzi a testa e isso aumentou minha dor de cabeça - Não faço ideia do que aconteceu comigo.- falei olhando para o rosto do simpático senhor, porém sua expressão de tranquilidade continuou a mesma como se as coisas que eu acabara de dizer foi a mais natural do mundo.
- Tudo muito estranho. - olhou para mim e coçou o queixo. - Porém não me causa surpresas coisas inesperadas que acontecem em nossas vidas. - falou olhando para o alto das árvores.
- É, mas para mim é uma surpresa! - minhas têmporas continuavam a latejar. - Nunca acordei em um lugar que não fosse minha cama. - Tateei os bolsos de minha calça e encontrei as chaves de casa e minha carteira. - Já aconteceu algo parecido com o senhor? - perguntei de forma seca.
- Está acontecendo, filho! - suas palavras saíram com emoção.
- Como assim? - perguntei.
- Estou sentado aqui a pelo menos duas horas aguardando você acordar. Por um momento, se não fosse sua fraca respiração, pensei que estive morto, pois dormia praticamente imóvel. - continuou. - Durante essas duas horas, pensei em minha vida, as coisas boas e más que pratiquei, as alegrias e tristezas que vivi, meus lindos filhos que criei e meus amorosos netos que ajudei a criar. As pessoas passavam perto da gente, eu sentado e você no seu profundo sono, e não nos notavam. Um cachorro de uma garotinha chegou até a urinar embaixo do banco - olhei debaixo do banco e lá estava uma marca redonda que estava quase seca - e depois foram embora. Também não nos notaram. Pensei que a garotinha fosse sentar em cima de você.
- Ainda bem que não sentou se não estaria pior ainda. - interrompi.
- Depois da garotinha praticamente não passou mais ninguém, exceto aquela mulher correndo que você viu. Bem... então cheguei a conclusão que éramos invisíveis, mas acredite, homens invisíveis não existem não é mesmo? - pigarreou e continuou - Quando cheguei até aqui fiquei olhando por muito tempo para você e tive certeza que você era à pessoa certa que iria me fazer um grande favor, como se fosse completar minha missão aqui na terra. - o senhor olhou nos fundos dos meus olhos que me senti incomodado. - Mas depois falamos sobre isso. - eu só olhava para ele e passava as mãos em minhas têmporas. - Sabe filho, há um ano vivo muito sozinho e meu momento de partida chegou. - arregalei os olhos. Pensei que aquele senhor fosse se matar ali mesmo e queria o meu testemunho em seus últimos momento de vida. - Me afastei deles depois de uma perda na família.
- Lamento. Disse ao senhor.
- Obrigado. Hoje está tudo bem, mas sentia-me muito perdido. - continuou. - Vivi boa parte da minha vida com minha esposa. Éramos só nós dois. Um casal muito feliz. Viajávamos muito por todo o país, conhecemos todos os lugares que você possa imaginar. Ambos éramos aposentados, não pagávamos aluguel e nossas despesas eram mínimas, então podíamos esbanjar com viagens e aproveitar o final da velhice. Só que hoje estou muito arrependido do que fiz. Afastar-me dos nossos filhos e netos não foi à decisão mais sábia que tivemos.
- Mas por que se afastou deles? O que eles fizeram com o senhor? - perguntei.
- Eles não fizeram nada! - exclamou aquele simpático senhor com lágrimas nos olhos. - Eles não fizeram nada, mas pensei que iriam. - como se fosse uma criança ele enxugou os olhos com as costas das mãos. - Meus filhos decidiram se mudar para outra cidade próxima daqui. Eu não quis ir, aliás, eu e minha esposa tínhamos um pacto de morrer na casa onde vivemos por toda nossa vida de casados. Meus filhos não entendiam isso e tentavam nos arrastar para aquela cidade, mas nunca aceitamos. - fiquei muito interessado naquela história que acabei esquecendo as dores que ainda me incomodavam. - continuou. - Um dia tivemos uma reunião familiar com todos reunidos em nossa casa. Estavam presentes meus dois filhos com suas esposas, minha filha com seu marido e meus seis netos, um era filho do meu filho mais velho, o outro do meu filho do meio e os quadrigêmeos da minha filha caçula.
- Quatro! - Exclamei e acenei com a mão pedindo desculpas.
- Me deixe continuar, por favor! - fiquei sem graça e ele continuou. - o Assunto da reunião era a mudança para a outra cidade. Todos eles vieram com o discurso ensaiado para nos convencer a vender nossa casa e ir com eles. Minha velha e eu fomos taxativos ao dizer que não iríamos e se a mudança fossem importante para eles que podiam ir sem nós, pois ficaríamos bem sozinhos.
- Desculpe a intromissão, mas por que todos juntos queriam se mudar para outra cidade? - eu estava sério e interessado em saber.
- Eles iriam abrir um negócio juntos. Seriam sócios. - respondeu. - Mas não sei ao certo que negócio seria esse. Acho que era um restaurante. - continuou. - Bem... Eles foram embora com a decisão da mudança sem nós e que começariam com a mudança dois dias depois. Minha velha e eu rezamos boa parte da noite pedindo que tudo desse certo em seus novos desafios. No dia seguinte haviam iniciado a mudança para a grande casa que alugaram a mais de dez dias e iriam morar todos juntos. Só não mudaram antes, pois estavam aguardando a nossa decisão. Três dias depois minha velha e eu fomos visitá-los para desejar uma boa sorte a todos. Voltamos da casa deles no final da tarde daquele mesmo dia. Quando chegamos a casa tomamos um banho e fomos para a cama dormir. Sabe como é filho... velho dorme cedo. - olhou para mim e deu um simpático sorriso. - Acordei no meio da madrugada para ir ao banheiro e beber água. A água que bebi fez eu despertar do sono, então resolvi ir para a sala assistir um pouco de TV, era impressionante como cinco minutinhos de televisão eram suficientes para eu pegar no sono outra vez. Minha esposa continuava dormindo como uma pedra. Liguei a televisão. Estava no canal nove e passava um filme muito antigo. Estava a aproximadamente três minutos assistindo o filme, sem entender nada, quando a programação foi interrompida para uma notícia de última hora. Saiu à imagem do filme e uma imensa fogueira da altura de um prédio de quatro andares apareceu na televisão. Três a quatro casas de um bairro estavam totalmente em chamas. O repórter que fazia a cobertura do incêndio dizia que as explosões aconteceram no início da noite, por volta das 19h00 e que até aquele momento os bombeiros trabalhavam para controlar as chamas e socorrer as vítimas. Ainda segundo o repórter, quinze pessoas estavam presas nos escombros, provavelmente sem vida a essa altura e quatro foram socorridas e encaminhas ao Hospital Geral Municipal, muito próximo ao local do incêndio. - o senhor que me contava a história colocou a mão na testa e começou a chorar timidamente tentando conter as lágrimas com a ponta dos dedos da outra mão.
- Por que está chorando? Se não conseguir terminar de contar o que aconteceu, por favor, pare. - era a mais pura mentira. Eu estava muito interessado em saber o que acontecera.
- Não! - exclamou o senhor e continuou. - Eu preciso terminar de contar isso a você. - meu estômago doeu e minha cabeça voltou a latejar. - Quando o repórter mencionou o nome do hospital algo ruim veio em minha mente. A casa dos meus filhos ficava próxima ao local. Não tinha certeza, mas sentia que algo ruim acontecera a minha família. Todo meu corpo começou a tremer. Controlei para não entrar em desespero sem antes ter certeza do que acontecera e não queria assustar minha esposa que dormia tranquilamente. Meio zonzo fui até a porta de meu quarto para dar uma olhada nela. Minha esposa estava coberta até a metade da cabeça deitada de lado. Saí da porta do quarto e voltei para sala em direção a mesinha do telefone. Abri a gaveta, peguei a agenda e o telefone e sentei no sofá em frente à televisão que continuava com a trágica reportagem.
Com a agenda aberta disquei os números e liguei para minha filha caçula, não sei porque ela foi a primeira que me veio a mente. Seu telefone tocou, tocou, tocou até cair na caixa postal. Deixei recado pedindo para que me ligasse. Peguei o segundo número e liguei para o meu filho mais velho. A ligação nem completou, estava em área fora de cobertura. O telefone do meu filho do meio também não completou a ligação. Voltei a ligar para minha filha caçula e nada, ela não atendeu. Esses eram os três únicos contatos que tinha em casa. - o senhor respirou fundo e abriu o primeiro botão de sua camisa. Pensei que fosse ter um treco, mas ele continuou. - Decidi acordar minha esposa e contar o que aconteceu. Fui até nosso quarto para delicadamente acordá-la, não queria assustá-la. Acendi a luz do abajur. Ela nem se mexeu. Sentei-me na cama e sussurrando chamei por ela. Ela nem se mexeu. Continuava totalmente coberta até a orelha e virada para o lado de fora da cama. Toquei em seu ombro esquerdo e dei um pequeno chacoalho. Ela nem se mexeu. Dei a volta na cama, descobri seu rosto e chamei delicadamente por seu nome. Seu lindo rosto rosado, redondo, com marcas que o tempo se encarregou de colocá-las agora estava pálido, branco como uma vela, simplesmente sem vida. - tampava o rosto com as duas mãos e aquele senhor que eu não conhecia chorava copiosamente ao meu lado.
O vento balançava com força as altas árvores da praça e no chão, pequenos redemoinhos eram formados com o encontro de direções opostas dos fortes ventos que sobravam. A noite se aproximava e as luzes dos postos começaram a acender.
Enquanto aquele senhor chorava ao meu lado, fiquei pensando das surpresas que os últimos minutos haviam me proporcionado. Tive certeza que aqueles momentos nunca mais sairiam de minha cabeça. Primeiro acordar todo arrebentado em um banco de uma praça sem me lembrar de como cheguei até aqui e ao acordo me deparo com simpático senhor que começa a contar coisas de sua vida de uma hora para outra. Agora ele está chorando. Será que estou ficando louco ou estou sonhando? Não. Não estou sonhando muito menos louco. Estou bem lúcido. Pousei a mão no ombro do senhor e disse: - Se eu puder ajudá-lo em alguma coisa, não sei como, mas se eu puder, por favor, me diga! - eu sabia que não poderia ajudá-lo, mas foi a primeira coisa que me veio a cabeça para tentar melhorar aquela situação.
- Vai poder me ajudar sim. - e continuou com a história de sua família. - De onde parei mesmo? - me perguntou enxugando as lágrimas de seu rosto com um lenço branco.
Como ele pode ter esquecido o que estava falando? Está chorando até agora. - pensei - O senhor estava falando de quando tentou acordar sua esposa. - falei em tom encabulado.
- Isso! - continuou - Quase entrei em parafusos. Descobri minha esposa, virei-a para cima e toquei em seu rosto. Estava gelado. Abracei-a como nunca havia lhe abraçado antes e chorei, chorei muito abraçado com ela. Tudo aquilo não poderia estar acontecendo comigo, perder minha esposa num momento desses! Sabe filho, - olhou para mim. - ela tinha uma saúde de ferro. Quando perdi meus filhos, perdi também minha mulher companheira de tantos anos. Eu estava acabado. Não tinha razões para viver. - e voltou a chorar.
- Puxa vida, que tragédia! Então seus filhos morreram no incêndio? - perguntei.
- Apenas uma sobreviveu e está internada. - olhou para as palmas das mãos.
- Essa é uma das mais tristes histórias que já ouvi. Sem dúvida nenhuma o enterro para o senhor foi algo inconsolável. - comentei.
- Ainda não houve enterro, meus filhos, genro, noras, netos e esposas morreram na madrugada da noite passada. - concluiu.
- Deus do céu! - fiquei espantado. - E ainda o senhor está aqui me contando tudo isso? Sua filha deve estar precisando de ajuda! O senhor tem outro parente para cuidar de tudo, quero dizer... da liberação dos corpos, do enterro dentre outras coisas? - meu tom de voz havia aumentado sem eu perceber. Estava aos berros.
- Não. Não tenho ninguém.
- Então vamos. Vou levá-lo para casa ou para o hospital. - dei um pulo do banco e esqueci as dores que eu sentia.
- Não posso. Por favor, sente-se. - saiu um som seco.
- Como não? Se tudo que o senhor me disse for verdade... tem mais alguma coisa a me dizer.
- Quando estava com minha esposa morta em meus braços, logo quando o dia clareou fui surpreendido com o toque do telefone. Era do hospital geral municipal.
- O senhor disse hospital geral municipal? - interrompi.
- Sim. Minha filha mais nova foi levada para lá logo após ser resgatada do incêndio. Ao certo não sei como ela conseguiu escapar, mas segundo a funcionária do hospital que me ligou ela estava bem. Apenas precisava ficar em observação por alguns dias, pois ela inalou muita fumaça e está em estado de choque.
- É bem próximo daqui. - conclui.
- Esse mesmo. - ele me pareceu enigmático. - Um dos motivos pelo qual estou aqui é esse, Breno. - concluiu.
- Não entendi. - as dores do meu corpo continuaram e naquele momento nem percebi que o senhor mencionara meu nome.
- Quando sentei ao seu lado, você estava dormindo e como te disse tinha a certeza que você seria a pessoa certa para me fazer um favor que iria me ajudar muito. Provavelmente não o encontrei por acaso. Não é nada comum um homem bem vestido e de boa aparência dormir em plena luz do dia em um banco de uma praça pública. Além disso, fisicamente você está mal. As dores que sente pelo corpo será que não era uma forma de segurá-lo aqui? - questionou.
- Realmente não sei como vim parar aqui. Você fez alguma coisa comigo? - olhei dentro dos seus olhos.
- Lógico que não! - e continuou. - Às vezes, filho, o universo modifica sem explicação a rota natural das coisas para que algo de importante seja feito. Tenho certeza que o universo providenciou algumas alterações na rotina do seu dia para que você e eu nos encontrássemos aqui. - finalizou.
Minha atenção foi interrompida com o barulho da sirene de ambulâncias que passavam na rua como borrões vermelhos e brancos fazendo que os outros carros estacionassem nas calçadas para sua passagem.
- O universo deve ter modificado a rota natural das pessoas dentro daquela ambulância. - comentei.
- Tenha certeza que sim. - olhando para a rua onde as ambulâncias acabaram de passar, sua voz parecida de um ser de outro mundo.
- Logo após receber o telefonema do hospital, liguei para a policia e me identifiquei. A atendente transferiu a ligação para outro departamento, acredito que fui atendido por um delegado, ele mencionou seu nome, mas como eu estava atordoado nem prestei atenção. - Continuou olhando para rua, seu olhar parecia vazio. - O delegado me falou das vítimas do incêndio e pediu para que eu comparecesse primeiro ao IML para reconhecimento dos corpos que foram levados para lá completamente carbonizados e depois eu seria acompanhado até o hospital para ver minha filha. Expliquei a ele o que aconteceu com minha esposa e pedi para que viessem para casa. Enquanto esperava os policiais escrevi uma carta e a coloquei dentro deste envelope. - ainda olhando para a rua retirou o envelope do bolso. - Quando acabei de escrever esta carta, os policiais ainda não tinham chegado. Então resolvi ir sozinho, só que fui em direção ao hospital. Minha filha era a única que realmente naquele momento precisava de mim. - ele olhava para o envelope com muita tristeza. - Pegue. Fique com a carta. - apontou a carta em minha direção.
Olhei para o envelope por um tempo. Tinha um nome escrito. Acho que era de sua filha. Peguei a carta. - O que quer que eu faça? - perguntei ao senhor com os olhos fixos na carta.
- Nesta carta tem tudo que ela precisa saber para continuar a vida. Não será nada fácil viver sozinha nesse imenso lugar. - suas palavras não haviam respondido minha pergunta.
- Entendi. O senhor quer que eu entregue a sua filha. - continuei olhando para o envelope, estático. - Não posso. Por que o senhor mesmo não entrega? Não pode confiar isso a mim, o senhor nem me conhece. Nem o seu nome eu sei. - houve um silêncio fúnebre.
- Sei que posso confiar em você, Breno. - ecoaram as palavras.
- Como o senhor sabe meu nom... -Tirei os olhos da carta e ao meu lado já não havia mais ninguém. Contemplar aquele banco vazio fez meu estômago revirar. Achava que iria vomitar, mas não vomitei. A sensação de mal estar aumentou quase me fazendo deitar no banco novamente. Seria impossível ele desaparecer assim. Desviei meu olhar poucos segundos. Fui tomado pelo medo, todo meu corpo começou a tremer. Encostei minhas costas no encosto do banco frio de cimento e fui deitando vagarosamente. Apaguei.
Não sei por quanto tempo, mas algumas horas depois acordei. Não estava mais deitado na praça. Estava em um pequeno quarto branco muito arrumado com pouquíssimos móveis. A confortável cama com lençóis muito brancos que estava deitado nada se parecia com o conforto do gelado cimento do banco. Pendurado na parede a frente da cama, observei um bonito quadro de moldura branca em pátina onde estava desenhada, com lápis carvão, uma paisagem onde os contornos formavam um mar, um sol, pássaros e um pequeno barco protegidos por um vidro. A porta ficava localizada a direita da cama, encostado a parede a minha frente. Ao lado da porta havia um grande vidro que ocupava grande parte da parede. Através dele podia ver o corredor de passagem. Abaixo do quadro tinha uma mesa com alguns pequenos aparelhos desligados. O lado esquerdo da minha cama ficava encostado na parede e do lado direito havia uma pequena cômoda com minhas roupas dobrada em cima. Meu corpo estava coberto por um fino lençol verde água e abaixo do lençol meu corpo, vestido com minha cueca e um avental frente única com o mesmo verde do lençol da cama. Um rosto se aproximou do vidro e logo desapareceu.
A porta se abriu.
- Bom dia, Sr. Breno. Que bom que já está acordado, pensei que ainda estivesse dormindo. - Uma jovem mulher com faixa branca no cabelo, vestida com um jaleco branco e segurando uma prancheta em acrílico transparente onde havia alguns papéis presos. No bolso do jaleco estava escrito as iniciais H. G. M. e logo abaixo ENFERMARIA. SETOR 02. A mulher aparentava ter entre 25 a 28 anos, pouca coisa mais jovem que eu. - O médico lhe deu alta há quase duas horas, mas estávamos esperando o senhor acordar. Posso lhe fazer algumas perguntas? - perguntou.
- Onde estou? O que aconteceu comigo? - perguntei um pouco assustado.
- O senhor foi trazido para esse hospital pela ambulância logo após recebermos uma ligação que o senhor caiu na rua. Possivelmente o senhor teve um mal súbito. Fizemos todos os exames de rotina e nada foi constatado. O Dr. ficou um pouco preocupado porque o senhor não acordou em nenhum momento durante os exames, apenas delirava algumas palavras incompreensíveis. - deu uma breve pausa, olhou nos papéis presos na prancheta e escreveu alguma coisa - Tivemos que aplicar um medicamento na veia, nada sério apenas um relaxante muscular. O senhor sentirá um pouco de dor de cabeça e talvez no estômago. Após um banho e uma boa refeição irá passar. Mais alguma pergunta? - finalizou.
- Onde fui encontrado?
- Não sei ao certo, mas pelo que conversei com o motorista da ambulância, creio que o senhor estava próximo a uma praça. Posso eu lhe fazer algumas perguntas agora? - me questionou impaciente.
- Pode. - ajeitei-me na cama até conseguir ficar sentado. A cabeça doía muito pouco.
- Como está se sentindo? - perguntou olhando para mim.
- Bem. - acenei com a cabeça.
- Já desmaiou antes? Teve algum tipo de mal subido ou algo parecido anteriormente?
- Não. - respondi.
- Toma algum tipo de medicamento?
- Não.
- Ótimo. Está com tonturas ou algo parecido?
- Minha cabeça dói um pouco, mas já doeu bem mais. - respondi.
- É só a cabeça que lhe está incomodando agora?
- A cabeça incomoda bem menos do que a brancura deste lugar. - Esbocei um tímido sorriso.
- Tem razão - sorriu a enfermeira. - Todos os pacientes acham que esse hospital é muito branco. - comentou. - Preciso que o senhor preencha esse formulário e responda a alguns questionamentos. Depois o senhor pode se vestir, suas roupas estão aqui. - apontou para a mesinha ao lado da cama. - Estarei no corredor te esperando. - entregou a prancheta para mim e abaixou as persianas do vidro.
Preenchi o formulário com informações básicas nome, endereço, telefone, etc. Tirei a fantasia do hospital e vesti minhas roupas. Meus sapatos estavam em baixo da mesinha. Na boca, sentia um gosta amargo de remédio. Peguei a prancheta e saí da sala. Fiquei pensando no sonho que tivera enquanto estive deitado naquela cama. Tudo parecia muito real a praça, aquele senhor, sua história, até mesmo o vento que soprava parecia tão real. Mas tudo não passou de um sonho, ou poderia chamar de pesadelo?
No corretor, sentada em uma das três cadeiras de espera, a enfermeira folheava uma revista de fofoca. Me aproximei dela e logo ela fechou a revista colocando na cadeira ao seu lado. Entreguei a prancheta. Ela olhou o que eu havia preenchido e perguntou:
- Sr. Breno, esqueceu-se de responder as pessoas de contato para o caso de emergência. - esticou a prancheta para mim.
- Desculpe, mas não tenho ninguém por aqui para dar como referência. Vim de outro estado.
Fomos interrompidos por outra enfermeira que saiu de um dos quartos atrás de mim. - So? - chamou uma enfermeira loira. - Acabou de chegar pela entrada do pronto socorro um garoto e uma senhora que sofreram um acidente de carro na rodovia. O corpo de um senhor também veio para cá, vamos precisar da sua ajuda. A mulher está bastante machucada e o menino parece que não sofreu nada, apenas um arranhão atrás da orelha, mas ele não fala uma só palavra com ninguém. - finalizou a enfermeira loira fazendo movimentos com as mãos dando a entender para ela se apressar.
- Bem senhor Breno, como pode ver estão precisando de mim. Isso aqui esta cada dia mais movimentado. Ainda bem que dentro de alguns dias começará uma nova enfermeira aqui. - passou um traço no formulário. - Está liberado agora. No final do corredor à direita o senhor irá encontrar a recepcionista. Pegue com ela seus pertences. Tenha uma boa noite e se cuide, ok?
- Está bem, obrigado. - andei em direção a recepção.