A Farsa

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Era o meu fim; sim, aquele era o meu fim. Como eu ia explicar aquilo?

"— Então, Lucas, a verdade é que aquilo foi um beijo falso, e menti falando que gostava do seu irmão e eu quero ficar com você" — Ele jamais acreditaria em algo assim... mas não custaria nada tentar, né?

— Cê perdeu a noção? Eu vou acabar com você! — Quando vi, meu irmão já segurava o colarinho da blusa de Vinicius e fechava a mão em punho ameaçando um soco. Lucas segurou a mão de Daniel, evitando que ele concluísse o golpe. Em nenhum momento Vini fez menção de se defender ou de atacar meu irmão. Ele apenas permanecia sério.

Antes que eu pudesse chegar, meu pai e o pai de Lucas já separavam os meninos; nossas mães estavam chocadas tentando entender o que estava acontecendo.

"O que é isso aqui? Vocês nunca brigaram antes!" — Tia Kátia falou, encarando meu irmão e, em seguida, seu próprio filho, Vinicius.

— Filho, por que está agindo assim? — Minha mãe falou, olhando para o meu irmão.

— Pergunta pra ele! Ele que estava beijando a Ella! - Daniel falou, tentando se desvencilhar e ir para cima de Vini novamente, mas meu pai e tio Carlos seguraram ele. Quando meu irmão parecia contido, os olhares de todos iam de Vini até mim.

"Nada está tão na merda que não possa piorar" foi o que eu pensei. E já que eu estava mergulhada nela, por que não aceitar? Apesar de toda a raiva que eu estava sentindo do Vinicius, eu não conseguia ser ruim o suficiente para deixar ele apanhar do meu pai e do meu irmão logo na noite de Natal. Estava na hora de eu entrar naquela personagem que eu mesma inventei.

Eu corri e me coloquei na frente de Vinicius, já vendo o rosto de meu pai se contorcer com desconfiança e meu irmão encarar o rapaz atrás de mim. Lucas era o único que mantinha um semblante de pena e tristeza juntos. Algo no rosto de minha Tia Kátia escondia um certo tipo de satisfação; já minha mãe... eu sempre desconfiei que ela almejava me ver com Lucas.

— Quais são suas intenções com minha filha? Ele te forçou a fazer isso, Ella? - Meu pai falou com aquela voz autoritária de dar medo.

— Claro que forçou! Eu vi ele puxando ela — Meu irmão instigou. Eu encarei Daniel como se quisesse dizer "Para de cutucar a fera, seu animal!".

— Não, não, não! Vocês estão entendendo tudo errado! Fui eu! — Falei, meu medo de ver Vini apanhando se tornando cada vez mais real.

— Você o quê? - Tia Kátia perguntou; eu poderia jurar que ela estava segurando um sorriso de felicidade com aquela situação. Eu engoli em seco, criando coragem de falar o que eu ia falar, sabendo que dali pra frente seria só pra trás.

— Foi eu... que me declarei pra ele, é...

— Você gosta dele?! — Meu irmão questionou, desacreditado, esperando minha confirmação.

— É... sim, então... — Meus olhos deram de encontro com os de Lucas; ele parecia estranhamente infeliz. Eu abaixei meu olhar e prossegui com aquela mentira.

— Parece que... nós gostamos um do outro... — Encarei o garoto atrás de mim, e antes que eu pudesse pedir algum tipo de apoio naquela mentira deslavada, ele já me segurava pelo ombro, com o rosto mais gentil possível.

— Sr. Davi, me perguntou agora a pouco quais eram as minhas intenções, eu posso garantir que são as melhores possíveis. E se me permitir, eu gostaria de namorar com a Ella.

"FILHO DA P***, DES******, VAI TOMA NO ! GoStArIa dE nAmOrAR É O KR*. A você tem que agradecer muito que eu não deixei ninguém te bater, mas me pedir em namoro? Para o meu pai?!" - Ele pode não ter reagido, mas a pisada que eu dei no pé dele, com certeza doeu.

— Você é velho demais pra ela — Meu pai falou simplesmente, cruzando os braços "Sim paizinho, protege sua filha desse animal".

— Aah, pare com isso, Davi! A garota vai fazer dezoito mês que vem, são só três anos de diferença! — Tinha que ser a minha Tia Kátia. Ela não me engana, tá adorando esse showzinho.

— Ele é meu filho, eduquei os dois muito bem! Tenho certeza que ele vai cuidar muito bem da sua Ella, agora vamos, todos pra dentro, ou a comida vai esfriar. — Minha tia falou com um sorriso de ponta a ponta. Puxou eu e o Vini para dentro e logo todos entraram. Aos poucos os ânimos iam se acalmando. Se tinha algo que eu tinha certeza é que meu irmão iria dar um enquadro em Vini em algum momento; ele ainda estava desconfiado.

Minha tia, a mais animada de todos ali, me fez sentar ao lado de Vini e ajeitou todo o resto das famílias em seus devidos lugares. O clima esquisito pairava no ar.

— Aah, que presente! - Minha tia falou, a única animada.

— Eu sempre soube que nossas famílias iam se unir em algum momento, mas logo em uma noite de Natal! Que romântico! - Minha tia falou feliz e saiu cantarolando para a cozinha com minha mãe para buscar o resto da ceia.

O resto da noite se seguiu tensa até que todos se saciaram com a ceia e começaram a beber; aos poucos, o clima natalino tomou conta, e todos agiam como se nada daquilo tivesse acontecido, comendo, conversando e rindo. Em alguns momentos, eu podia ver meu pai cochichar com minha mãe, de maneira nada discreta: "A gente tem que ficar de olho, não podemos deixar eles juntos e sozinhos nunca", meu pai sussurrou de maneira bem audível para minha mãe, fazendo meu rosto corar de vergonha.

Lucas e Vini, esporadicamente, trocavam olhares de irmãos brigados, mas só eu percebia aquilo.

A noite festiva se seguiu. Na sala, meu pai e tio Carlos, já meio alterados, riam alto falando sobre alguma coisa de futebol. Sentadas em um cantinho na varanda estavam minha mãe e tia Kátia, os assuntos variando entre moda, trabalho, maridos, filhos e a surpresa do dia. Meu irmão tinha decidido ignorar Vini e tentava criar laços com Lucas; os dois conversavam sobre algo enquanto jogavam videogame na TV. Vinicius estava bem confortável deitado no sofá e mexendo no celular. E eu... sentada na escada, observando tudo aquilo e sem ter com quem contar. Sem meu melhor amigo... sem quem eu realmente gostava. Havia começado meu dia pensando em me declarar e terminado com um namoro falso. Sem muito o que eu pudesse fazer e sem ânimo, decidi subir para o meu quarto e tentar dormir um pouco.

Antes que eu pudesse abrir a porta que dava para o meu quarto, me virei para ver quem havia me seguido. E como eu já podia imaginar, era o Vinicius.

— Olha, eu não tô muito afim de conversar agora e como você bem ouviu, meu pai não quer a gente sem supervisão, então tchau — Falei, me virando de costas para ele para abrir a porta, mas tive a tentativa frustrada quando ele sutilmente bloqueou minha passagem, segurando a porta com a mão acima da minha cabeça. Eu me virei e olhei para cima para encará-lo.

— Eu gosto muito de livros... mas essa definitivamente não é a situação que eu gostaria de estar vivendo com você... e isso daqui é vida real, para de agir assim! — Eu falei, seriamente. Vinicius riu.

— Você sabe que nós precisamos conversar sobre isso... eu solto a porta, mas a gente vai ter que falar sobre isso agora — Vini falou, calmo.

— Tá, tá bom. Agora solta a porta e sai de perto de mim. — Assim ele fez.

— O que você quer fazer sobre isso?

— Você pergunta pra mim? A situação estaria totalmente resolvida se você não tivesse tido a ideia estúpida de fingir que estava me beijando! E me pedir em namoro? Você tá maluco?

— Viu como minha mãe ficou, tão feliz, não quero decepcionar ela — Vini falou com uma preocupação fingida. Eu revirei os olhos e tentei ir para o quarto, mas novamente ele fechou a porta.

— Mas agora falando sério, Ella. A gente mantém essa fachada por uns três meses e termina amigavelmente, alegando que não deu certo; cada um pro seu canto e tudo volta ao normal, o que acha? — Ele falou me lançando um sorriso malicioso.

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