1 - A Princesa e o Mar

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As ondas quebram na praia, e trazem uma lenda que mudará o mundo


             — "O mar e a lua existem em uma harmonia imutável, mais antiga que a própria vida na Terra, conectados pela eterna dança do magnetismo..."

— "Mas sem nunca se tocarem verdadeiramente. A união dessas duas forças será o presente do universo para a humanidade" – a jovem de olhos verdes completou, sem levantar a cabeça de seu trabalho de limpar a prancha de windsurfe.

— Isso mesmo – a outra moça olhou para ela sorridente – Você tem lido o livro de contos antigos também?

— Não, mas de tanto ouvir você lê-los em voz alta, acabei decorando.

— Que pena, Inaê. Se você não passasse todo o seu tempo livre na água, podia ler bem mais – Marisol fechou o livro em seu colo e permaneceu sentada no tronco de uma palmeira caída, enquanto a irmã terminava de arrumar a prancha e corria com ela para o mar.

Só com um ano de diferença entre elas, ambas eram parecidas, bronzeadas, com cabelos negros ondulados, formando cachos nas pontas. O que as diferenciava era a cor dos olhos, a altura e a cor da pele de Inaê, mais parda que a da irmã pelo maior tempo exposta ao sol.

Naquela manhã ventava muito e as ondas estavam agitadas, do jeito que Inaê gostava. Com a habilidade de quem já fizera isso centenas de vezes, a jovem manejou a vela e deixou que o vento a levasse para longe da praia.

A espuma das ondas respingou em suas botas de solas aderentes, o sol aqueceu seus braços nus e o vento fustigou seus cabelos. Ali, Inaê se sentia completa, em equilíbrio e paz com o universo.

Quando a praia não era mais que um rastro claro ao longe, a prancha encalhou num banco de areia. Inaê recolheu a vela retrátil e deixou a prancha ali, presa ao solo por uma pequena âncora de madeira. Apesar de adorar o oceano, a jovem conhecia bem a sua imprevisibilidade, e não iria correr o risco de perder seu meio de transporte para uma onda surpresa.

Depois de se certificar que a âncora estava firme, Inaê seguiu adiante, encaixou a máscara de oxigênio sobre o nariz e a boca, e mergulhou.

Os navios e barcos que passavam ali evitavam o banco de areia, por isso a depressão submersa próxima a ele permaneceu desconhecida por muitos anos, até Inaê ir longe demais em seus mergulhos infantis e encontrar por acaso um cemitério de baleias.

Um evento sísmico criara um buraco no leito marítimo, e talvez por ação de correntes, as ossadas de vários animais, principalmente de baleias, se amontoaram ali, formando um verdadeiro cemitério natural, e agora era uma fonte de recursos para a Ilha Delfim.

No momento Inaê era a única da ilha corajosa o suficiente para ir tão longe numa prancha; até os barcos pesqueiros se mantinham perto da costa o máximo possível.

A jovem sentiu os pelos de seus braços se arrepiarem conforme mergulhava mais fundo e a temperatura caía. Seus olhos se acostumavam à penumbra do ambiente submarino, e aos poucos as pilhas de ossos tomaram forma, brancas como a espuma do mar.

Com um martelinho e uma estaca de pedra polida, Inaê começou o trabalho de quebrar a frágil ligação que ainda existia entre a costela e a coluna vertebral do que provavelmente fora uma orca. Ao final de alguns minutos os dois ossos se separaram, e a moça subiu carregando a costela consigo.

Quando saiu do buraco, foi surpreendida por uma família de cavalos marinhos que quase colidiu com sua cabeça. Os pequenos animais pararam bem a tempo, então deram voltas ao redor dela antes de se afastarem. Inaê só não riu porque estava de máscara e precisava voltar para a superfície.

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