Quando o diabo não vem...

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Quando o diabo não vem ele manda a secretaria...
Foi assim que Dynara apareceu, um filhote de demônio que usava óculos fundo de garrafa e vestia terninho de risca de giz, um tamanho maior que o seu, toda desarrumada. Sorriso doce e voz mansa.

No período que meu pai estava todo quebrado, foi preciso contratar uma secretária para ajuda- lo em algumas funções, poderia ser um homem? Claro. Mas o RH achou justamente essa narja para esse serviço.

Aparentemente inofensiva, ia e vinha na minha casa com papéis para meu pai assinar no primeiro mês. Depois continuou ajudando ele empresa.
Quando minha mãe teve alta com a July, veio fazer uma visita e até trouxe presentinho.

Mas a boa moça só conseguiu manter o disfarce por alguns meses.

Meu pai era o tipo de cara que não podia ver um rabo de saia, e se essa saia levantasse só um pouquinho, ele comia. Por Dynara ser estranhamente esquisita, achei que seria diferente. Mas não foi.

Ele passou a sair com ela,  deu um banho de loja nela. A fera virou bela num passe de mágicas.

Foi aí que começou um ano de agonia...
Dynara passou a infernizar minha mãe, mandava fotos dos presentes que ele dava, dos lugares que frequentavam, até vídeos dos dois transando loucamente em motéis, na casa dela e até na sala dele na empresa, minha mãe recebeu.

Ligava debochando e xingando minha mãe. Aparecia na frente da nossa casa para buscar meu pai quando marcavam de sair. De todas, ela foi a pior...

Vi minha mãe definhando...
Cada vez que isso acontecia, eles brigavam e só não batia nela porque me jogava na frente e eu por muitas vezes recebia os tapas em seu lugar. Pedi inúmeras vezes que ela deixasse ele, que fôssemos embora daquela casa, também escutei inúmeras vezes que ela o amava e que isso seria só uma fase... Tudo ia voltar ao normal. Que normal?

Até que em uma bela noite, estava descendo as escadas, quando meu pai entrou em nossa casa com a vagabunda e minha mãe teve um surto emocional, ela simplesmente travou, seu corpo pálido não se movia, seus braços sem força soltaram July que por sorte caiu no sofá. Corri ao seu encontro chamando seu nome, seu coração batia muito rápido, sinal claro de uma taquicardia.

July chorava, eu tentava trazer minha mãe de volta, Dynara ria e meu pai nos deu as costas, saiu e voltou logo em seguida com uma pequena mala na mão. Foi embora de mãos dadas com o demônio em pessoa sem nem olhar para trás.

Peguei minha irmã no colo e liguei para a emergência. Eu tinha duas opções: me acabar em lágrimas ou ser forte para segurar a barra. E eu escolhi a segunda opção.

A ambulância chegou, levou minha mãe sozinha, por ter só 16 anos não deixaram acompanhar. Ficamos sozinhas.

July ja havia se acalmado, mas era um "mamamaa" sem fim. Dei banho, mamadeira e a coloquei para dormir... A noite seria longa...

Liguei para o hospital e disseram que minha mãe havia sido medicada, estava dormindo e ficaria em observação até o dia seguinte.

Eu não podia fazer nada...
Deixei meu corpo cair e chorei. Chorei tudo que estava guardado.

***
Acordei no chão ao lado do berço da July.
Não sabia que horas eram, minha irmã já estava sentada olhando para mim.

-Lola! Mamã...

-Bom dia minha bonequinha. Mamãe daqui a pouco chega. Vamos trocar essa fralda?

Depois de dar banho e trocar minha irmã, desci para fazer sua papinha. Não havia ninguém na cozinha e já passava das 8 da manhã. A empregada chegava as 7 e saía às 17 todos os dias. Era muito pontual.

Sentei July na cadeirinha, peguei tudo que precisava e preparei uma papinha para ela. Estava dando a ela quando o telefone tocou.

- Alô.

-Alô. Aqui é do hospital, estamos ligando para informar que Iolanda Louis Sullivan está de alta, já podem vir busca-la.

-Certo. Muito obrigada.

-Escutou July? Vamos buscar a mamãe. Tem carro na garagem mas não tem quem dirija, o jeito é chamar um táxi. Vamos, come mais um pouquinho que nós vamos sair.

Eu ainda estava com a roupa da noite anterior, mas não ia tomar banho. Eu ia buscar minha mãe. Peguei uma bolsa, coloquei algumas fraldas e lenço umedecido. Peguei também minha carteira e soltei na bolsa das coisas da July, coloquei ela no canguru e descemos para a calçada. Esperamos uns 10 minutos até que o táxi apareceu.

No hospital minha mãe esperava sentada em uma cadeira na recepção. A abracei, mas não fui abraçada de volta. O corpo era o dela, mas a mente não. Seu olhar estava vazio, perdido em algum ponto daquelas paredes brancas.

-Licença? Bom dia. Meu nome é Valéria, sou médica. Você veio buscar ela?

-Sim. Minha mãe está bem mesmo?

-Bem, sua mãe apresenta um quadro de depressão. O surto foi só a ponta do iceberg. Ela precisa tomar os remédios que irei prescrever e precisa fazer acompanhamento psiquiátrico. Onde está seu pai? Ou um adulto responsável?

- Meu pai viajou. No momento é apenas eu por ela.

-Tudo bem.-Ela escreve alguns coisas no receituário e me entrega. -Cuide para que ela se alimente e tome os remédios nos horários certinhos. Boa sorte para vocês.

- Obrigada.

Iniciava os dias de luta.

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Barra não é ?
Mas as coisas vão mudar
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⏰ Última atualização: Dec 12, 2023 ⏰

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