Capítulo ll: Os noturnos

9 0 0
                                    

   O mundo faísca como eletricidade.    Faísca como a dor, que ressoa em todo lugar. É assim que Z pensa.
   Essa é sua realidade aterradora.
   Desconecto.
   Três pílulas são enjeridas.
   A cápsula azul descartada.
   Z tem um lugar para ir. Uma reunião.
   S pinta sua máscara novamente, até os resíduos de sangue sumirem. S sente saudade de seu colega de trabalho, diferente de Z. Z não gosta de V.
   W também está a caminho do local combinado por todos.
   Na escuridão da noite, ele se desfaz.
   Avisar aos Noturnos a volta de um membro é tarefa que leva tempo, mas não quando se tratava desse membro em específico.
   V esteve presente desde o começo do projeto "Noturnos".
   Juntos, derrubaram grandes facções criminosas.
   Desestabilizaram governos até.
   Exposição de informações sociais, pessoais ou interpessoais por intermédio do anonimato é serviço para uma equipe, não para solitários.
   V foi e É um dos co-fundadores de mais importância nesta sociedade secreta.
   E mesmo apesar de tudo, a certas coisas que se prendem ao esquecimento.
   O "chefe", o senhor "B", tenta lembra-los a diferença crucial e significativa que esta reunião resultará.
   No fundo, V é como um filho para ele.
   Algo que ele não pode compartilhar com ninguém.
   Nunca.
   20h00min.
   Todos já estão reunidos.
   O lugar é desconhecido para alguns.
   As dúvidas rodeiam a mesa de ferro.
   Senhor B se encontra no centro inicial da mesma.
   De um lado dela, W e Z repousam.
   Quietos.
   Do outro, S aguarda.
   E da escuridão, naquele canto da porta.
   Pairando como o vento, V se apresenta como uma sombra tímida.
   - eu, V dos Noturnos, me pronuncio nesta reunião.
   V se apresenta.
   Senhor B dá continuidade por
enquanto que se põe de pé.
   - é um prazer recebê-lo depois de muito tempo, a todos aqui presentes, devo o direito de fala, para perguntas, respostas ou afirmações.
   Senhor B se acomoda novamente.
   O procedimento é continuado.
   W levanta e se pronuncia.
   - eu, W dos Noturnos o saúdo e o recebo nesta associação.
   O próprio se senta.
   É a vez de Z.
   Z olha para V, em seguida para senhor B.
   Levanta-se eufórico.
   - para que serve essa reunião? Não vejo o sentido de V ser a estrela da noite, lembram da ceninha de ontem que ele causou? Todas as filmagens na Orst-Tec, nas mãos de alguma empresa, milagrosamente ainda não está nos noticiários. Por que diabos ele não destruiu os rastros? E é sério isso? Ele some por cinco anos inteiros e ninguém fala nada? Onde ele esteve quando executamos a derrubada do sistema operacional "Angel"? Precisávamos dele e onde ele estava?
   Senhor B o interrompe.
   - peço que se acalme Z, dê ao V o
direito de fala.
   Silêncio nos próximos segundos.
   V retira o capuz de sua cabeça e se junta à mesa.
   - peço perdão a todos os que estão presentes nesta sociedade. Ainda não posso revelar os motivos de meu desaparecimento. Mas, entretanto, posso dar as deveras explicações ao
ocorrido de ontem.
   - prossiga.
   Retruca senhor B.
   - todos vocês entendem meus motivos pessoais e espero que como das outras vezes, não prolonguem o assunto. Hoje, nesta reunião, eu venho aqui pedir que me ajudem na tentativa de assassinato de Armin Truman.
   Senhor B tinha medo que V voltasse com essa ideia, mas como co-fundador desta sociedade, é dever dele permitir qualquer ação dos afiliados, mas ajudar ou NÃO era a questão a ser discutida por todos na sala.
   Senhor B levantasse novamente.
   - como todos aqui já conhecem as regras, cada um expressará suas devidas opiniões e escolherão se devem juntar-se ou não há causa. Lembrem-se, a maioria dos votos restringem o
direito de todos. Exemplo: se três de vocês votarem NÃO a causa, e um de vocês SIM, o direito de ajudá-lo será negado a todos. Sem exceção.
   V não se anima com o consenso.
   Mas já esperava.
   W da início.
   - gostaria de ajudá-lo na causa, mas os riscos são escassos, minha presença está objetificada nas filmagens, e prioriza a minha existência. Desculpe V, mas meu voto é NÃO.
   Inesperado, V presume.
   Z está prestes a continuar.
   - obviamente não, claramente ele está sendo guiado por sentimentos, e isso irá levá-lo a uma missão suicida, eu entendo que o que esse filho da puta fez com o V foi imperdoável... Desculpe por citar o acontecimento, perdão... Mas absolutamente não, agora compreendo o motivo das filmagens estarem intactas, é só mais um aviso idiota para o Truman. E eu, realmente espero que V tire essa ideia de merda da cabeça, por enquanto que ainda há tempo. Meu voto é NÃO.
   Z adora fazer cena.
   Previsível, V conclui.
   S se ajeita a cadeira e prossegue.
   - eu apoio sua ideia, colega V. Estou com você, meu voto é SIM.
   S sempre apoiou V. Caso V se considerasse humano, S seria um
amigo.
   Dois votos contra um.
   Agora, tudo se concentra na decisão do senhor B.
   V já esperava o resultado.
   - meu voto também é NÃO. Perdoe-me.
   Finaliza senhor B.
   Em seguida, com olhares focados e frios, todos se vão da sala decididos, como se o sino de recolher tilintasse no escuro. Todos se vão, exceto V e senhor B.
   O silêncio toma conta.
   Apenas as duas figuras permanecem.
   Vazios, assim V imaginava.
   - olhe V, pense racionalmente, deixe essa vingança no passado.
   Sempre a mesma coisa, os mesmos conselhos.
   V percebe que se repetem as mesmas afirmações.
   - senhor B, o resultado desta reunião já era esperado. Desde o início presumi que não me ajudariam, mas você pode me devolver a nossa criação de três anos atrás.
   - pra quê quer o vírus "Nevada"?
   Senhor B pergunta.
   Vírus "Nevada" era um codinome para um sistema de ataque de autodestruição. Foi criado por V e senhor B. O bug se concentra na falha de eletricidade, causando uma sobrecarga que esquenta e queima o sistema, assim, explodindo qualquer lugar movido a energia elétrica. O
vírus "Nevada" está localizado em um pendrive. Em qualquer sistema
operacional que o próprio for inserido, terá aproximadamente meia hora até a auto-destruição. Dois anos para a
criação e conclusão deste projeto.
   - apenas me devolva o pendrive!
   V ordena impaciente.
   Senhor B caminha até um armário próximo.
   De dentro de uma caixa branca ele o tira. Sempre esteve guardado no mesmo lugar.
   O pendrive tem formato retangular, de ferro.
   Antes de entregá-lo, senhor B precisa entendê-lo e tentar pela uma última vez o impedir de uma decisão que poderá se arrepender.
   - V, ainda a tempo de voltar atrás, o que você fará terá consequências irreversíveis. Também preciso lhe perguntar, está tomando seus
remédios?
   - sim.
   V o responde friamente.
   - você é um homem inteligente V, pense bem. Você fez o que eu mandei? Nesses cinco anos que esteve fora, tentou ter uma vida?
   V prolonga uma pausa antes de retrucar novamente.
   Ele responde.
   - eu me apaixonei... Mas nada foi real, tudo ilusão.
   - e como lidou com isso?
   Senhor B pergunta com curiosidade.
   V demonstra um leve sorriso que passou despercebido quase que instantaneamente. Mas senhor B havia notado. V o responde.
   - bom, eu mandei uma encomenda para o homem que ela estava gostando. Em nome de uma "Garota" especial. Nesta encomenda, havia um
suplemento muscular, o "rapaz bonito"
ingeriu tudo, ele nem se quer pensou... Teve uma overdose de morfina, implícita no produto. Morreu enquanto colocava o lixo pra fora. Agora, eu espero que a "garota" por quem me
apaixonei, aprenda como é doloroso quando um sentimento é arrancado à força de você.
   Senhor B se cala.
   Cabisbaixo.
   Entrega o pendrive em seguida.
   Com o vírus Nevada em mãos, V se aproxima dele.
   Retruca novamente.
   - eu nunca precisei de vocês para nada, você, mas do que ninguém sabe que se não fosse por minha presença, os Noturnos nunca existiriam. Eu ensinei tudo a você e você me ajudou a
ensiná-los, nada, além disso. Segui seus conselhos, confiei em você. "tente ter uma vida", você disse. Agora percebo, eu tenho nojo da sociedade, desse mundo que se banha em lixo tóxico.
Eu estou tentando limpá-lo, vocês estão me atrapalhando. Depois que eu eliminar Truman, voltarei para o meu trono, e todos vocês irão obedecer ao seu verdadeiro líder. Bote uma coisa
na sua cabeça senhor B. Você não É o meu pai, nunca será ele, e eu também não sou seu filho.
   Silenciosamente, V volta para as sombras.
   Desaparece.
   Senhor B se encontra calado na sala escura.
   V se sente sozinho novamente.
   Mas o que V esperava? O pendrive.   Será que o vírus Nevada era tudo que ele queria mesmo?
   Ou teve esperança que todos os seus colegas se arriscariam junto dele?
   Por um segundo, o mundo volta a fazer sentido.
   Tentar ter uma vida lhe deu algo novo, além de uma vida programada?
   Algo além do vazio?
   Ele se permitiu se apaixonar, pela primeira vez em sua vida.
   Por que ela não o amou de volta?
   Por que o "rapaz bonito" foi o escolhido?
   Por que seus colegas não o apoiaram?
   A cada passo da caminhada de V, uma força que passara despercebida começa a ficar visível.
   Aquela vontade de puxar o gatilho de vez.
   Todos esses anos na noite, e para quê?
   Um pingo de água cai em sua cabeça.
   Chuva.
   V está no ponto de ônibus.
   Ele apagou novamente.
   Piloto automático.
   Mesmo assim, não importa.
   Do bolso, V tira a cápsula azul.
   Mas três comprimidos diários.
   V devolve o capuz a sua cabeça.
   E sente a chuva rodopiar pelo seu corpo.
   Infelizmente, a caminhada noturna precisa continuar.

    Infelizmente, a caminhada noturna precisa continuar

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Noturno Vulgar (2023) - Edição DefinitivaOnde histórias criam vida. Descubra agora