Há algo sobre os muros deste lugar que são como olhar para dentro, ver a si mesmo pelo reflexo do espelho. A prisão contemporânea não é a punição por um crime cometido, é a punição por se estar vivo, independente de se sentir assim ou não. São sete horas da noite, o sol já se pôs e uma brisa suave faz com que os cabelos — que mamãe já me persuadiu a cortar zilhões de vezes, em vão — caiam sobre a área dos olhos e incomodem a ponto de arder, mas nunca de querer cortá-los.
A garota dos sonhos de todos os caras que conheci na vida está logo ao lado, sentada em uma cadeira dourada e ornamentada com os detalhes da sua casa nobre. Parece adorável em seu vestido cor-de-rosa em tom bebê, maquiagem leve que torna sua aparência ainda mais convidativa, mas não existe nada que me prenda a atenção nela. Mamãe diz que ela era a melhor opção e que merece a posição e não posso argumentar contra isso, posso me deitar com ela quantas vezes precisar, minha mente e coração nunca vão nos acompanhar nos lençóis à noite.
Não tem nada de errado com ela. É genuinamente bonita — do tipo que se vê nas capas de revista —, cabelos longos e loiros, corpo escultural, voz de anjo e é relativamente inteligente nos assuntos onde — ouvi que chama-se machismo — a sociedade permite à mulher opinar. Não me incomodo com nenhum posicionamento dela, nem mesmo os feministas. Também não acho que teríamos problemas de convivência, casamento ou na cama, mas há algo de errado impregnado no DNA do meu ser que não me permite ir além do físico com ninguém.
Mamãe pigarreia, na tentativa de chamar minha atenção. Só então me dou conta de que ela está na beirada da mesa erguendo uma taça, prestes a puxar um drink coletivo em seu vestido branco angelical. Nunca houvera em minhas quase duas décadas de vida momento em que a odiasse tanto por chamar a atenção quanto agora, mas era um sentimento detestavelmente avassalador. Levantei com um sorriso forçado que dei o meu melhor para fazer com que fosse natural, estendendo meu copo também. A bendita sorriu e me acompanhou, mas seu sorriso era indecifrável, nunca sabia se estava feliz ou se odiava o acordo de casamento tanto quanto eu.
O banquete se inicia, é a comemoração do torneio de justas mais conhecido do reino, já que era organizado pela família real. Em suma, um evento estúpido que reúne gente fútil em um lugar só. Mamãe ordena que não saia de vista, mas uma figura muito melhor de se observar do que a noiva que terei que aguentar a vida inteira surge em meio ao atentado ao entretenimento que é esse tipo de evento.
— Beomgyu! — ele sussurra com sorriso travesso e me arranca outro, sentindo que seria resgatado daquela joça. — Tem uma festa na cidade há meia hora de cavalgada.
Levantei sem pensar duas vezes e me despedi educadamente da futura esposa a quem veria pela última vez naquela noite, se tudo saísse como o planejado. Soobin era a própria cara do jovem engomadinho certinho, ninguém desconfiava em me ver saindo com ele, era uma característica e tanto, com certeza pensariam que fomos conversar ao redor do lago, como quando éramos crianças. Nossa cavalgada fora rápida, repleta de conversas sobre os estúpidos da corte e aquele evento idiota, logo a paisagem verde dava lugar a algo mais agradável: gente que não era da família, lugar que não conhecia bem e, aparentemente álcool. Qualquer coisa que nublasse a mente era bem-vinda agora, Soobin era genial em me ajudar a escapar do fatídico destino humilhante ao qual a vida continuava insistindo que era a melhor opção. As festas na cidade capital do reino eram sempre animadas, por mais que eu e Soobin sempre precisássemos nos cobrir com mantos de qualidade questionável e um odor desesperador, era melhor do que ficar na companhia da loira industrializada e a maluca da minha mãe, que achava de bom tom ter o controle até do que é colocado na minha taça de jantar.
Soobin nos arrastou para uma área onde podíamos nos sentar, mas não ousei retirar o capuz por nada no mundo. Mesmo que as pessoas o reconhecessem, o problema era me reconhecer; minha mãe me mataria se soubesse onde estávamos e o que estávamos fazendo, mas sentado ao ar livre — poluído, mas ainda assim, livre — da cidade grande, com os olhos grudados em um palco improvisado com cortinas do que parecia ser seda vermelha e luzes amadoras incrivelmente bem colocadas, havia algo do qual não conseguia desviar o olhar. A juventude é mesmo uma coisa estúpida, onde o que se vê chama mais a atenção do que aquilo que mora dentro de alguém. Tentei não dar a mínima para a mulher que se apresentava no palco, mas havia um ar misterioso no fato de nunca mostrar os cabelos ou o rosto, apenas parte do corpo que não era farto, mas era perfeito na mesma medida, uma aparente obra que Hefesto havia descido à Terra e se misturado aos mortais para esculpir com as próprias mãos.
— Quem é ela? É muito boa — questionei Soobin sem conseguir mover a direção do olhar para qualquer outro ponto, não enquanto o quadril que nem parecia grudado ao corpo se movia no som de uma música que também não conhecia o estilo, pois estava longe de ser algo que a realiza ouviria numa festa casual de salão. Soobin soltou uma gargalhada e murmurou um “sabia que isso ia te animar”, mas não respondeu minha pergunta, o que só me deixou mais intrigado com a procedência da sujeita.
Minhas pernas obrigaram o corpo a ficar de pé por conta própria quando ela saiu do palco, uma salva de palmas jamais planejada, com o coração batendo em um ritmo amedrontador, misturado a um sentimento desconhecido e estranho. Grudei no braço de Soobin e o puxei comigo para o que parecia ser uma espécie de camarim improvisado, onde avistei de longe o pano branco da roupa de apresentação. Não ousei me aproximar, só queria prolongar a sensação do coração batendo daquela maneira que se propagava no peito, como se irradiasse ao resto do corpo. Ela se virou em algum momento, olhou pra mim e sorriu, mas não me deixou ver o rosto ou como era sem o capaz, pois logo levaram-na dali sobre o pretexto de “Junnie tem outra apresentação hoje”. Eu tinha inúmeras perguntas e ainda havia um Soobin gargalhando ao meu lado, cujo qual o brilho sumiu quando um rapaz passou por perto e acenou com um sorriso singelo, mas suspeito pelo local e pareceu partir Soobin ao meio. Franzi o cenho e o encarei desentendido, desde quando ele dava bola pra homens? Credo.
Nós voltamos para o torneio — que infelizmente ainda não havia acamado, mas também não cheguei novamente perto da mesa da loira — em silêncio, Soobin como se tivesse recebido um tiro no peito e eu mais confuso do que qualquer outra coisa no mundo, me questionando frequentemente do que havia na tal Junnie que parecia faltar na mulher que passaria o resto da vida do meu lado. Naquela noite, não consegui pregar o olho pensando na sensação que me causara vê-la dançar, pensando que, se eu pudesse ter a chance de ser qualquer outra pessoa no mundo, perseguiria aquele sentimento até que minhas pernas não se aguentassem de exaustão, encontrando-a ou não no final.

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JUNNIE {Beomjun/Yeongyu}
Fanfiction(...) se eu pudesse ter a chance de ser qualquer outra pessoa no mundo, perseguiria aquele sentimento até que minhas pernas não se aguentassem de exaustão, encontrando-a ou não no final.