I.

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A mulher contemplou-se no espelho — sem dúvidas, seria um daqueles dias. Passou a destra pelo rosto antes de calçar as sandálias e sair em direção à cafeteria, na qual se encontraria com mais uma possível parceira de trabalho. Ao virar a esquina, acenou para seu amigo de longa data, cujo nome há de ser revelado em breve. Como a vida não é um morango, ela entrou no estabelecimento sem expectativa alguma. Afinal, seria a décima-terceira vez que procurava um artista para agenciar justamente. Havia cursado muito a respeito e até conhecera influentes na indústria; entretanto, por não fazer parte de uma empresa famosa e não ter nascido com uma colher de ouro nas mãos, todas as propostas que recebia eram canceladas, uma vez que sempre apareciam melhores oportunidades para os outros, talvez, alcançarem o estrelato. 

Seus cabelos negros alcançavam o quadril, mas a jovem o prendia num coque firme e baixo em ocasiões como aquela. Vestia uma camisa branca, uma saia lápis preta e um paletó de mesma cor. Não tardou a identificar a cliente, trajada de maneira totalmente desleixada, com um sorriso cafona, se fosse possível descrever dessa forma. Assim que a criatura abriu a boca, soube que havia desperdiçado tempo e energia para chegar até ali. Indignava-se como alguém poderia enganar tão bem e gostar de fazer as pessoas de trouxas. Em silêncio, direcionou-se ao balcão e pagou por um café expresso, sem açúcar. Não gostava, mas o sabor amargo da bebida não se comparava a decepção que sentia. Retirou-se sem despedir e, no meio do caminho de volta ao apartamento, sua mãe lhe fez uma ligação: perguntou sobre como estavam as coisas na cidade e se não gostaria de ajuda para encontrar o amor. A moça riu e agradeceu por tê-la feito sorrir pela primeira vez no dia.

— Karina! – a voz destacou-se entre o barulho do trânsito. – Você comprou o meu preferido e não vai me oferecer? – o homem correu até ela, esticando o braço ao copo. 

— É sério isso...? – suspirou, entregando o café. – Quero desistir, Daniel. 

— Esse verbo não faz parte do seu vocabulário. – deu um gole. – Tem certeza?

— Claro que não. – ajeitou a bolsa no ombro e acelerou o passo. – O pior é que passei o ano inteiro totalmente focada em me capacitar profissionalmente que... 

— O que? – jogou o recipiente vazio na lixeira e continuou a acompanhá-la. – A senhora voltou com o assunto de namoro?

— É, conhece a minha mãe. – bufou, tocando a própria franja. 

— Ela me mandou mensagem. – deixou escapar um sorriso.  

— Por favor, diz que. – parou abruptamente na esquina. 

— Não falei nada demais, nem concordei em fazer parte de um plano mirabolante. – encarou-lhe, inclinando a cabeça para o lado. 

— Como esperado do meu melhor amigo. – deu um sorriso amarelo e fechou o pulso direito, erguendo o polegar para ele. – Espero que ela realmente não monte um esquema. 

— Você nunca me contou direito essa história. – cruzou os braços e tornou a segui-la. 

— Foi quando estava no intercâmbio. Naquele ano, fiquei sozinha na roça e ela tentou me conseguir uma companhia. 

— Sinto saudades da Califórnia. 

— E por qual motivo não volta para lá mesmo?

— Não posso abandoná-la de novo. Vai que a senhorita se envolve em outro problema?

A jovem revirou os olhos e assentiu, num tom de deboche. Acenou para o amigo, enquanto adentrava a casa. Assim que fechou a porta, retirou os calçados e largou a bolsa na mesa da sala de estar. Sinceramente, ela encontrava-se mais do que exausta. Sentia que não fizera nada relevante nos últimos meses e que deveria tentar outra coisa. Pensar em romance seria algo bastante egoísta de sua parte, e... Jogou-se na cama, interrompendo aqueles pensamentos intrusivos, e respirou fundo, a fim de esvaziar a mente. Dentro de si, esperava que alguma coisa mudasse, como nos contos de fada. Lembrava-se do quanto era apaixonada por histórias de donzelas em apuros e príncipes encantados ao resgate. Atendeu a uma chamada: era seu tio, irmão de sua mãe, oferecendo-lhe um emprego estável. Não possuía forças para recusar a oferta, mas também não concordou; pediu uma semana para pensar a respeito. Depois de desligar, achou errado. Estava na condição de pedir para analisar? Balançou a cabeça e a enfiou no travesseiro, dando um grito abafado. 

Três dias se passaram e, mais uma vez, apareceu-lhe uma nova oportunidade. Entretanto, havia pedido provas e dados pessoais para não cair em mais golpes. Resolveu usar um vestido simples, florido, que sua avó havia costurado; fez um rabo de cavalo com folga, penteando a franja sem muito cuidado; e colocou tênis de corrida brancos. Como esperado, viu Daniel a caminho do local marcado e o gritou, movendo os braços e andando rapidamente. Ele sorriu e desejou boa sorte, da mesma maneira. Parou debaixo de uma das árvores na praça e sentou-se no banco à frente dela, de pernas cruzadas. Mirou o relógio no pulso e bocejou, pois dormira mal na noite anterior. Quando começou a pensar que levaria um bolo e tinha sido enganada muito bem, avistou uma pessoa a aproximar-se de roupa executiva. Assustou-se com a ironia da situação, justamente na vez em que não havia se arrumado de acordo. A mulher, chamada Eve, parecia dois ou três anos mais velha e possuía cabelo marrom e curto, na altura do ombro. 

— Senhorita Yu...? – estendeu a canhota e abriu um sorriso. – Meu nome é Eve Ha, tenho 26 anos e sou nova na cidade.   

— Olá, sou eu. – retribuiu o gesto, pedindo-a para se abancar também. – Karina Yu, 23, moro aqui há oito anos. 

— Serei objetiva, vamos ao ponto. – fechou o semblante.

A súbita mudança de postura da mulher a fez estarrecer, engolindo em seco. De certa forma, algo nela não soava normal, mas desconhecia exatamente o que poderia ser. Em meio à curiosidade, sentiu-se incomodada, mas preferiu não falar por impulso. 

— Quero que você componha uma música de amor para mim. – completou. 

— Ha... – fez cara de paisagem, atordoada. – Sabe que o meu trab... – foi interrompida.

— Eu vejo seu potencial, Karina. – segurou ambas as mãos da mais nova e, novamente, tornou a suavizar as feições de seu rosto. – Há uma canção dentro de você esperando ser escrita.

A moça estava tão estarrecida com aquela conversa que sequer replicou.

— Vou pagar-lhe de acordo, não se preocupe. Tenho certeza de que se sairá muito bem. Se aceitar, já adianto metade do valor ainda hoje. – tirou as notas do bolso. – Aqui e agora.  

Era louca, sem maiores questionamentos. 

— Não sei. – desviou o olhar. 

— Vai desperdiçar seu talento? – arregalou os olhos e franziu a testa. 

— Eu procuro talentos, não sou um. 

— Pelo visto, não vou convencê-la, não é mesmo? – bufou.

— Não é uma boa ideia.

— Certo, certo. – levantou-se, fitando-a com serenidade. – É uma pena. 

— Tchau, Senhorita Ha, e obrigada por tudo. – abaixou a cabeça, respeitosamente. 

— Tchau, o prazer foi todo meu. – deixou a quantia sobre o colo da jovem e saiu correndo. 

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