IV

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A ausência do ser amado deixa atrás de si um lento veneno que se chama esquecimento.

— Claude Aveline.

— Soraya? — Uma voz cansada, talvez de tanto a chamar, finalmente teve sua atenção. — Oi, So.

— Simone... — Soraya sussurrou antes mesmo de abrir os olhos, a voz de Simone era a única coisa que nunca poderia esquecer.

— Sim, meu bem. — Soraya não viu o rosto da mais velha se iluminar com um sorriso ao olhar para ela.

— Onde está a nossa filha? — Soraya perguntou. — Ela estava aqui agora há pouco.

— Ela está brincando com uma criança no quarto ao lado. — Simone olhava cada centímetro de Soraya. — Gostaria de não ter viajado para Porto Alegre, amor. Você não queria ficar sozinha e eu a deixei. Me desculpa.

— Ei! — Soraya se sentou com dificuldade. — Não bote a culpa do que aconteceu em você, amor. Você também sofreu.

— Os médicos disseram que não sabem que substância aquele verme usou em você, Soraya. Você pode voltar a se esquecer das coisas, e...

— Tá, eu estou fodida mesmo. — Soraya riu e Simone a observou. — Dane-se, Simone. Eu finalmente estou aqui, tenho você e uma filha. Não vou ficar pensando em efeitos colaterais. 

— Amor, eu não estou aqui, aqui. Entende? — Simone a olhou nos olhos. — Preciso que me perdoe por ter saído aquele dia.

— Simone? Como assim? Você está aqui e eu não preciso te perdoar, não foi você que fez isso comigo, com nós.

— Não estou, Soraya. Não estou.

Soraya dormia mais uma vez naquele hospital, tentavam de todos os jeitos descobrir o que tanto ela ingeriu ao estar sobre cárcere, o que causou sua amnésia e sua suposta melhora repentina.

Simone estava sentada ao seu lado na cadeira, também dormia, segurava a mão da mãe.

— SIMONE!!!! — eu gritava enquanto uma equipe médica tentava novamente me drogar depois da polícia ter me tirado de casa e Simone levado um tiro. — NÃO! ONDE ESTÁ MINHA ESPOSA?! lágrimas lavavam meu rosto, seu sangue ainda em mim, grudava e exalava o cheiro metálico de vida talvez perdida.

Ninguém respondia, eu estava desesperada e não tinha uma resposta. Adormeci com alguma droga colocada no meu soro com uma agulha.

Quando acordei, não sentia nada. Não, nada não, eu estava mais desesperada. Não sabia que horas eram e nem sabia o que havia acontecido com a minha mulher.

Estava imobilizada. Perguntei o porquê disso, e uma das enfermeiras me disse que eu estava me batendo. Estavam tentando me proteger de mim. Ela me disse que eu gritava muito por Simone e perguntou-me quem ela era. "Simone é minha esposa, o que aconteceu com ela? Por que ela não está aqui?" respondi. A enfermeira disse que tentaria descobrir, mas nunca mais a vi.

Fiquei dias em um lugar repleto de branco. Meus olhos doíam.

Simone não apareceu, mas eu sempre perguntava por ela.

Ao mesmo tempo em que eu me desesperava por não ter notícias suas, me tranquilizava. Não sabia se ela ainda vivia, se respirava ou se seu coração ainda batia. Era uma droga não ter notícias, uma sucessão de reticências foram completando lacunas das quais me faltavam certezas e informações. Não havia nada em minha memória além do abraço de minha esposa, o barulho do tiro e o sangue quente me lavando.

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⏰ Última atualização: Oct 05 ⏰

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