Divino Natal

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carolbrasilina

A época do Natal é corrida para todo mundo. Os humanos vão em disparado a todas as lojas para comprar presentes, decorações, comidas, roupas especiais. E o trabalho não é mais leve para ninguém, até mesmo a seres divinos e sobrenaturais. Afinal, o Natal era o aniversário do próprio filho de Deus, e apesar do Filho não fazer questão com presentes e decorações, o Pai insistia em preparar um grande banquete para comemorar essa data. Ou seja, correria para todos os anjos.

 
Apesar de ser uma honra preparar e participar desse banquete, porque afinal, era um banquete com o Pai, Filho, Espírito Santo e outras santidades! Qualquer ser humano se sentiria lisonjeado, empolgado por fazer parte desse evento! Mas assim, para seres que foram criados para combate, para guiar pessoas perdidas e enviar mensagens importantes; ter que se contentar em realizar tarefas simples, ainda que sejam divinas, não deixa de ser um tanto frustrante. De certo, são muitos talentos que vão amofinando. Ainda que os anjos treinem constantemente; até porque nunca se sabe quando Deus decidiu que dia que iria ser o apocalipse; eles não usam essas habilidades para nada desde que Jesus nasceu. A tarefa dos anjos têm sido unicamente manutenção e limpeza, e convenhamos, por melhor que seja o chefe, uma hora cansa.

 
Quem sabia muito bem disso era o maior guerreiro da expulsão de Lúcifer para o inferno. Miguel, o líder do exército mais poderoso do cosmos, estava ajudando a esticar uma toalha vermelha com bordados amarelos e verdes em cima de uma mesa de carvalho. Era preciso prestar atenção enquanto faziam essa tarefa, pois não poderia haver nenhum rasgo, buraco, mancha ou bordado frouxo, se houvesse, precisariam concertá-lo imediatamente. Os olhos azuis celestes de Miguel estavam muito atentos para os mínimos detalhes. Porém, com frequência, ele precisava pisca-los forte para conseguir se concentrar. O seu corpo parecia ser feito de cobre, um cobre pesado e oco, tal qual uma dama de ferro. Há séculos esperava pelo dia em que poderia desembainhar sua espada novamente, sentir o calor do campo de batalha, a adrenalina da luta, desenferrujar seus movimentos e sentir novamente o vento cortante em suas asas, tamanha a velocidade que alcançava. E há séculos precisava se contentar em tirar poeira cósmica das roupas das santidades, costura-las, lavá-las, dobrá-las, enfim. Dava para perceber quando a frustração atingia seu limite, suas sobrancelhas ficavam terrivelmente franzidas, como se fossem se encostar, e alguns dos anjos compreendiam muito bem o que Miguel sentia (até mesmo havia os que torciam para que o apocalipse chegasse logo).

 
Findada a tarefa da toalha de mesa, os anjos foram pegar as louças para terminaram a organização do ressinto e irem ajudar aqueles que estavam na cozinha preparando a comida. Voaram até uma cristaleira muito grande, lá eram guardadas taças, pratos, talheres, tudo dos mais finos minérios e todos cravejados com alguma pedra preciosa. O que era para ser uma tarefa ridiculamente simples, tornou-se algo um tanto estressante, pois Miguel, distraído em seus pensamentos, esbarrou na cristaleira, fazendo-a cambalear de um lado para o outro. Se Miguel não tivesse segurado o objeto, ele teria caído do céu. Mesmo que ele não tivesse caído, várias louças caíram rumo ao nada. Os anjos que foram chegando ajudaram Miguel a pôr a cristaleira no lugar. Enquanto os demais organizariam o que restou de louças e iriam para a cozinha, Miguel precisaria ir atrás das louças, além de organizá-las sozinho. Ele arranjou um saco de linho e voou por baixo das nuvens atrás dos objetos.

Ele pôde ver o brilho das pedras preciosas das louças bem de longe. Miguel foi seguindo-as até caírem na Terra. Mais especificamente, no sudeste do Brasil. O arcanjo planou pela região até que, enfim, encontrou-as na cidade de Mogi das Cruzes. Era noite. Os objetos estavam sendo levados pela correnteza do rio Tietê, debaixo da ponte onde passa a rua Cabo Diogo Oliver. Calmamente, Miguel foi pegando um por um dos pratos, taças, garfos, facas e colheres. Ainda bem que elas eram de metais e não quebravam. Ao mesmo tempo que Miguel sabia que tinha que ser rápido, sua vontade de voltar lá para cima era nula.

O Natal Em Nossas AsasOnde histórias criam vida. Descubra agora