Dançar é um jogo perigoso.

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— ✦ Simone's point of view. ✦ —

Valer-me da crendice popular que em todo encontro existe algo celestial poderia ser uma mão na roda para alguém como eu; mas não é. Sequer tenho lembranças da última vez que senti algo de supramundano em um contato humano e, se bem digamos, minhas últimas interações com pessoas não foram exatamente bem sucedidas. Creio que, sendo quem sou, não poderia esperar um mar de almirante em cada lagoinha que me pusesse a nadar.

Passei a noite com outra mulher. Quer dizer, virei a noite tendo a companhia de alguém! Pouco importa se é homem, mulher ou a minha valise de guerra — e fuga —, tudo acaba tendo o mesmo peso, de qualquer forma. Eu sei que devo comentar que, apesar dos pesares, não foi bom e nem ruim. Devo comentar que senti raiva. Devo comentar que senti medo, que fui covarde, apesar da minha suposta coragem. Devo comentar que me senti pequena, apesar da claustrofobia. Devo comentar que senti frio, apesar de ter desenvolvido uma afeição por tudo que é gélido. Devo confessar que, quando ela me puxou, colocou-se ao meu lado, fez com que eu passasse a aprender sobre a arquitetura incerta do céu e afugentou essa minha síndrome de pequenez, senti algo além de mim; senti Soraya, seja lá o que isso signifique.

Sei que contei as estrelas do céu até cair nos braços de Morfeu. Se fosse para precisar a quantia, provavelmente iria me embolar porque, entre uma constelação e uma risada frouxa daquela loirinha, acabei perdendo a linha de raciocínio. Pelo custo do meu tempo e da minha tão sagrada insônia, acho que pude desfrutar daqueles minutos que soaram como horas feito alguém além de mim.

Antes de sair a passos firmes do jardim, palavras gentílicas da senhorinha que me liberou daquela Albatroz de baixíssimo orçamento que minha 'vizinha' providenciou foram direcionadas a mim e, de modo homólogo, à Soraya também. Esses pequenos momentos de intimidade forçada com outrem causam arroubos incuráveis ao meu ser. "Como você está?" é uma das piores sentenças que a língua portuguesa poderia expressar. Com os olhos atentos de quem está sempre alerta, percebi que aquela mulher se expressava com os olhos e que, àquele instante, presenciei algo além de uma dura apatia... de fato, preocupei uma pobre criatura.

Atada à melancolia com dois braços e um peito ardido, decidi que retornaria ao meu apartamento, que é quase um casulo, assim que o sol raiou e tive a menor oportunidade de fazê-lo.

O elevador vazio conseguiu instaurar a natureza antagônica de meus pensamentos mais crus; não acho que sou a única pessoa que tem uma voz resvalando ao pé do ouvido, com a imponência que advém da particularidade de um timbre grave, que a vida é e deveria ser uma ida singela ao Calvário. Nunca gostei de carregar uma cruz, mas, ainda assim, sinto que mereço. Senti um prazer atravessado na garganta por esquecer, quase que durante um segundo, o peso — embora sentisse que estava acendendo um fósforo ao lado de um barril de pólvora — de ser quem sou. Talvez, pela finita parcela de tempo que a natureza incerta das coisas me concedeu, pude tropeçar no sabor agridoce de ser uma mulher simples que se atrai por uma mulher — a qual não caberia nas minhas pífias definições — incomum.

Com o seguimento do dia, não ouvi falar em Soraya. O oco do meu peito reclamava; levei a questão ao meu lado mais racional e conjecturei que o que senti não era saudade, afinal, não a conheço e nem tenho interesse em fazê-lo e também não fazia tanto tempo assim desde que pude tê-la perto de mim, ou fazia, não sei ao certo... Tratava-se da mais pura curiosidade, como se fosse um objeto estranho, ou uma sinfonia que ainda não ouvi e nem li a partitura.

Procurei um haver para não pensar demais sobre o que se passou, mas acabei entediada, pois, de todo modo, não trabalho como um operário, tampouco sou canhestra e criativa como um artista. Também não sirvo nem para fazer sala para convidados, afinal, quem visitaria uma pessoa que não gosta de repassar o próprio endereço? Então, caminhando em círculos até causar um arrombo ao chão do meu apartamento, entreguei-me ao vício; iria, novamente, sair do meu lar rumando ao barzinho do condomínio.

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⏰ Última atualização: Aug 14 ⏰

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