Prefácio

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Caro amigo

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Caro amigo.

Preciso explicar-te alguns detalhes.

I) Não escrevo para entreter. 

Esqueça qualquer filme ou série que tenhas assistido sobre xadrez. A maioria esmagadora é uma decepção, especialmente para mim, que amo e pratico este jogo desde os 6 anos. 

A) Pawn Sacrifice (2014) é um uivo sem lógica. Não há nenhuma profundidade em direção aos cernes enxadrísticos fundamentalmente artísticos. O filme aposta na grosseria do estereótipo (uma tremenda injustiça), deformando a imagem polêmica de Bobby Fischer, talvez o melhor jogador de xadrez de todos os tempos. É bem verdade que Fischer era frágil emocionalmente, por causa do gênio indomável que ele possuía, mas daí a associá-lo subliminarmente a Paul Morphy e Wilhelm Steinitz, a fim de generalizar a ética do jogo à insânia mais doentia? Isto é um triste absurdo: o filme usa um jogo que priveligia a razão visando homenagear a amência.

B) Queen's Gambit (2020), por sua vez, apela para o feminismo militante e ataca o legado de Nona Gaprindashvili, a lendária georgiana que revolucionou o xadrez nos anos 1960, cuja vida idônea foi assim manchada da pior forma possível, pela doca de stream americana. Quando Nona processou a Netflix, em 2021, torci para que a intocável empresa perdesse o caso na Justiça, e desta forma, aprendesse (pelo menos) a respeitar a história de uma idosa de mais de 80 anos de idade, que mal tem forças para se locomover, que dirá para se defender de um monstro midiático. Mas como o caro amigo sabe, este mundo é injusto, e os ricos sempre acabam ficando mais ricos, limpando suas botas sobre as feridas abertas dos mais pobres.

Fora de Controle (1984) e Xeque-Mate (2009) estão em situação semelhante ao item A). Lances Inocentes (1993) e Fresh: Inocência Perdida (1994) são quase iguais ao item B), com leve exceção para Lances Inocentes (1993), que no mínimo retrata com mais calma a beleza do xadrez, ao contar a história real de Josh Waitzkin. A única exceção, em todo o cinema mundial, que não se encaixa na situação vergonhosa dos itens A) e B) é o filme O Sétimo Selo (1956), do diretor sueco Igmar Bergman. Game Over: Kasparov and the Machine (2003) e Bobby Fischer Against the World (2011) são bons, entretanto não contam com os filmes e séries anteriormente citados, pela natureza não-fictícia dos mesmos e por serem, acima de tudo, meros documentários.

As obras audiovisuais acima citadas são consideradas (pelos leigos, e por alguns que dizem-se entendidos) como as "melhores" obras para se assistir sobre xadrez. As outras, eu nem preciso dizer nada. Sempre acreditei que é melhor ler do que assistir. O cinema de alta qualidade ainda existia nos anos 1980, sendo que nos anos 90 morreu de vez. A sétima arte, porém, caiu tarde. Já a primeira foi exaurida nos anos 50. Por sua vez, Salvador Dalí, Marcel Duchamp e Allen Ginsberg deram cabo à pintura, à escultura e à literatura, respectivamente. Hoje, tudo que intitula-se como "Arte" é apenas uma anofrésia relativista - um eco - rouco e abafado, desta hecatombe. 

II) Xadrez é arte?

Tornou-se difícil definir arte. Mais ainda, xadrez. Uma coisa é certa: o xadrez transcende a arte mais que o inverso. Karpov teria dito, e Kasparov notabilizado, o ditado de que "O xadrez não é apenas um jogo, mas uma arte e uma ciência." Soma-se a isto o fato de ser um esporte, desde 2000. Goethe teria dito que xadrez é a "Ginástica da inteligência ". Eisntein o definiu como um "Labirinto cruel, onde o cérebro desespera-se em libertar-se de si. " Não estamos apenas diante de um dos jogos mais antigos de sempre, mas de um dos arquétipos mais singulares da razão.

Enquanto jogo, é evidente. Enquanto ciência, impróprio aos leigos - porém, de fato, indubitável. E o célebre Botvinnik não nos deixa equivocados neste sentido. Enquanto arte, talvez não esteja claro. Certo pela metafísica, contudo, intangível em escala concreta. Esta dimensão manifesta-se com grande virtude e intensidade, apesar de ser tão ignorada. A presente obra, O Jogo dos Reis, visa contribuir humildemente nesta área específica, preenchendo-a, dialogando com suas outras duas dimensões enxadrísticas, por meio do elo duplo da literatura, ora da poesia (inexato porém reflexivo ao real), ora da filosofia (ao rigor da racionalização, se nisto lograr êxito). 

Disto decorrem divagações, tediosas aos impacientes. Mas, perdoem-me: o xadrez é um jogo de paciência. Dada a profunda índole ontológica do jogo, a estória a seguir também o é. No mais, é uma homenagem ao sertão, ao xadrez, à História, às culturas, aos povos antigos e, sobretudo, ao tempo. Este último, o mistério de nossa exêntrica e ruidosa época. Mas também esta é uma estória de críticas, algumas ferrenhas, sobre as aberrações físicas e espirituais de nossa egocêntrica era. No final, trago uma simples reflexão chamada "Sobre as letras ".

Aviso: 

Como virginiano, parece que aprecio a ordem no caos, e vice-versa.

Por isso agradeço a paciência durante a leitura.

Por isso agradeço a paciência durante a leitura

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~ Menashe ~

~ Santana do Ipanema, 12 de junho de 2023 ~

~ Santana do Ipanema, 12 de junho de 2023 ~

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