Do Terror a Redenção

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Me chamo Amanda Silva e tive uma infância bem simples e humilde, numa cidadezinha no interior de Minas Gerais. Meu pai morreu em um acidente de trabalho pouco antes do meu nascimento, e como minha mãe não trabalhava e dependia dele, enfrentamos muitas dificuldades. Minha mãe começou a vender artesanato para nos sustentar até eu ter idade suficiente para conseguir ajudar nas despesas.
Quando tinha 15 anos, recebi uma carta esquisita dizendo estarem me observando há algum tempo. Sabiam das minhas condições financeiras e me aconselharam a entrar em contato se eu quisesse ganhar "dinheiro de verdade" para ajudar a minha mãe. Fiquei desconfiada, mas o meu desespero quanto a idade avançada dela e a vontade de proporcionar a ela uma vida confortável me fizeram impulsiva.
Ao chegar no lugar marcado para o encontro, um grupo de pessoas encapuzadas me esperava; as partes visíveis dos seus corpos estavam cobertas de tatuagens e cicatrizes. Murmuraram algo sobre terem encontrado a pessoa certa para o que precisavam e avançaram sobre mim antes que eu pudesse escapar. Recebi duas opções: me unir ao que descobri mais tarde ser um culto ou morrer ali mesmo. Se escolhesse participar, eu receberia uma remuneração mensal que poderia mandar para a minha mãe, se assim desejasse.
Mais uma vez o desespero respondeu por mim.
Pedi um único favor, que pudesse visitar minha mãe uma última vez. Fui para casa, avisei a minha mãe que eu tinha conseguido um emprego em outro estado e que ela não deveria se preocupar com as despesas. Prometi que nos reveríamos em breve.
Nunca mais voltei.
Tinha medo que ela notasse quão diferente me tornei e se decepcionasse comigo. Era melhor para nós duas que ela se lembrasse de mim como a garotinha de quem ela se despediu. Mantive apenas a minha promessa sobre o dinheiro.
O começo da minha nova vida foi a pior parte. Fui forçada a fazer o inimaginável. Exigiam o meu sangue para completar rituais, e quando necessário, sequestrávamos, torturávamos e, por vezes, matávamos pessoas.
Quanto mais tempo eu permanecia lá, porém, menos horripilantes e erradas as minhas ações pareciam. A carnificina se tornou um acontecimento banal. Eu tinha um trabalho a cumprir e assim o fazia. Me tornei um membro confiável e ganhei alguns benefícios, mais liberdade. A vida se tornou confortável. As obrigações se tornaram menos pesarosas. Aprendi que o tempo é transitório. Encontrei satisfação onde jamais imaginei. Passei a me voluntariar nas missões. Topei participar por interesse próprio. Descobri que sentir dor nem sempre era ruim e que causar dor podia ser ainda melhor. Não havia por que negar. Eu gostava de torturar pessoas, gostava de colocá-las para lutar contra criaturas que certamente as destroçariam.
Passei alguns anos assim. Me envolvi com um cara chamado Gabriel. Moramos juntos por um bom tempo. E, então, aos meus dezenove anos, a punhalada aconteceu.
Um dia, entre um grupo de pessoas sequestradas estava a minha mãe. Parecia uma piada ruim. Exigi e implorei para que o nosso líder a soltasse e ele se recusou. Disse, com a sua voz arrastada, sarcástica e nojenta, que aquela seria a minha última e mais importante prova de lealdade. Queria que eu fizesse com ela, a única pessoa a quem eu amava, o que fazíamos com todos os outros.
Ambos sabíamos que somente um milagre a manteria viva.
Recusar só significou que ela sofreria pelas mãos de outra pessoa. Usaram um ritual paralisante sobre mim. Fiquei sentada assistindo, ouvindo, internalizando. Ela gritou o meu nome. Gritou por ajuda. Então não gritou mais nada.
Ao falhar em "provar a minha lealdade", me prenderam em um alçapão sujo e frio. Disseram que me manteriam ali até pensarem em uma punição adequada para o meu comportamento. Contudo, um dos vigias acabou sendo o Gabriel, e durante o seu turno noturno, ele me ajudou a fugir. Aconselhou-me a buscar refúgio na Ordem, disse que eles poderiam ajudar a pôr um fim em tudo.
Nunca mais tive notícias de Gabriel. Temo que ele tenha sido descoberto e pagado caro por me ajudar.
Fiquei escondida por algumas semanas. Precisei de algum tempo para realmente procurar algum membro da Ordem. Nem sabia por onde começar. A Ordem é uma organização secreta, não estaria esperando por mim com uma placa piscante em cima. Minha melhor estratégia foi ser propositalmente encontrada - um trabalho difícil para quem precisava se manter sigilosa. Visitava somente certas partes da cidade, em certos horários do dia. Usava visivelmente o meu broche, a marca do culto, e prendia o meu cabelo de modo a revelar a tatuagem no meu pescoço, outro símbolo significativo que todos os membros do culto possuíam.
Levou semanas para o meu plano funcionar. Quando a Ordem me achou, não resisti. Afirmei que cooperaria com a sua investigação e prometi que seria uma peça importante para a derrota do culto.
Fui interrogada na base deles e revelei tudo - contei como fui recrutada, o que fazíamos e o nosso modus operandi, onde ficavam as bases que eu sabia, como funcionava o sistema de segurança. Não acreditaram em mim até confirmarem por conta própria. Tiveram sucesso em uma missão de resgate, libertando as poucas vítimas sobreviventes. Ganhei a confiança de alguns membros e a oportunidade de me unir à organização.
Sem nada e ninguém a quem retornar, aceitei a proposta.
Quero lutar. Quero vingar a minha mãe. Eu falhei com ela e quero me redimir pela sua memória. Ainda escuto os seus gritos de agonia sempre que fecho os olhos. Pode ser que não possa trazê-la de volta, mas pretendo detonar aqueles que a fizeram sofrer e qualquer maldito que ousar seguir o mesmo caminho.

📚 Revisão e edição por Poleany Brandão (@brazzgurl)

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