CAPÍTULO UM

        
        Saiury! - Sorri e a envolvi em um abraço carinhoso, sorrindo largamente ao reencontrar minha melhor amiga depois de tantos meses sem se ver. - Nem acredito que estamos nos vendo outra vez.

    Não é? Eu também não! O mais incrível de tudo é que agora eu vou morar aqui,'miga! Bem pertinho de você!

   Como sempre,Saiury estava elétrica e se desvencilhou do abraço para pegar o carrinho cheio de malas, sua camisa da Taylor Swift combinando perfeitamente com seu short de alfaiataria branco.
    Rio. Fazia tempo que não ouvia seu sotaque. Senti falta de Saiury e seu jeito eufórico.

    Está com fome? - Pergunto casualmente pela sua expressão ao passarmos por uma lanchonete no aeroporto. - Aliás, como foi a viagem, Say?

   Nossa,eu 'tô louca de fome, acredita? Não comi praticamente NADA no avião,'miga! - Ela se direciona para a lanchonete enquanto tamborila os dedos sobre o carrinho. - Nossa, foi exaustiva! Não vejo a hora de abraçar meu sobrinho! Faz tempo que não o vejo. Deve 'tá um rapaz!

    Rio um pouco. Saiury é sempre muito eufórica e sorridente,além de tudo, faz um uso rico até demais de expressões brasileiras,mesmo sendo estrangeira. Seu sotaque ainda é marcante, mas muito mais leve do que quando chegou.

   Megumi, não é? - Questiono enquanto entramos na lanchonete e buscamos uma mesa para nós duas.

    Aham. Tu 'tá boa de memória,hein? - Ela riu e deslizou pelo corredor, se esgueirando e sentando em uma mesa no fundo do restaurante próxima a uma grande janela. - Ele é Megumi sim. Aliás,como vai tua pesquisa de pós doutorado?

    Ah,vai bem, entretanto sinto falta de algo. - Digo imitando seu gesto e me sentando na mesa junto a ela. - Você sabe, é a coisa que mais amo fazer no mundo. Pesquisar é maravilhoso.

   Eu sei! Você é tãããão nerd às vezes,amiga!

    O garçom se aproxima e fazemos o pedido, optando por batatas fritas e um molho.

   Meu sobrinho adora isso,sabia? - Rio. Ela gosta mesmo do sobrinho. - Tipo, ele aaaama batata frita.

   Você gosta muito dele, isso é nítido. - Pontuo enquanto deslizo meus dedos suavemente pela superfície de madeira. - Ele fala muito como você?

    Olha,amiga,sendo bem sincera,meu sobrinho é tipo, mudo,sabe? - Eu a olho surpresa. - Ele já tem cinco anos e não fala absolutamente NADA. Sabe, tipo,nada MESMO.

    Vocês consultaram um médico? - Pergunto hesitantemente.

    Meu irmão é cabeça dura. Não quer levar o menino á outros médicos. Um médico disse que ele era mudo, então Toji,tipo, simplesmente aceitou, sabe?

   O menino demonstrava características de uma pessoa muda? - Saiury me encara por um momento se questionando. - Quero dizer, crianças mudas têm algumas características que tornam mais fácil o diagnóstico, como por exemplo a ausência de balbucios.

    Pelo que eu me lembre, acho que não. Na verdade,acho que tipo, o Megumi balbuciava sim. Não muito,mas o suficiente,sabe? - Minha amiga explica enquanto come as batatas fritas.

    Então como foi feito esse diagnóstico? - Arqueio a sobrancelha, franzindo a testa.

   Sinceramente? Nem eu sei. O Toji é um bruto. Nem adianta questionar. - Ela dá de ombros, então eu simplesmente assinto. - Mas sabe de uma coisa? Seria muito bom se tipo, você fosse conhecer o Megumi. Talvez você pudesse ajudar, né? É que tipo... Cê é doutora em letras e formada em letras libras, adora essas coisas, então sei lá.

    Eu a olho e sorrio, é claro que me sinto empolgada com o convite. Gostaria de entender o que há com o menino e conversar com o pai pra entender como foi feito o diagnóstico.

      Eu adoraria. - Confirmo e sorrio.

☆☆☆
    


   Já passa das sete quando finalmente chego em casa. O silêncio indica que provavelmente Megumi já está dormindo. Entro em casa e vejo um Megumi adormecido e sorrio. Nunca me canso de vê-lo dormir.
    Seu corpinho encolhido no sofá enquanto a barra da camisa de pijama está embolada e deixa seu umbigo a mostra. Eu me inclino e o pego no colo, seu pijama de One Piece me faz sorrir. É o anime favorito do meu pequeno.
     Jogo as chaves do carro em um lugar qualquer enquanto subo a escada, indo até o quarto do Megumi. Como sempre, está tudo impecável. Meu filho com certeza não puxou a mim.
    O coloco em sua cama com cuidado e deslizo o edredom em seu corpo, cobrindo-o enquanto beijo sua testa.

     Boa noite, Megumi. - Sorrio e apago a luz, fechando a porta e descendo a escada.

    Quando desço, ouço a campainha tocar e já sei quem é.

    Que saco,porra! - Resmungo abrindo a porta e dando um tapinha nas costas do meu amigo. - Tu já é de casa, sabe que pode entrar.

    Calma aí, xingue-lingue frango. Tá estressado, é? - Ele ri enquanto se senta no sofá.

     Acabei de chegar. Recebe os caras aí, vou tomar banho. - Resmungo indo pro banheiro.

      Beleza, vacilão!

    Entro no boxe e sinto a água em minhas costas, refrescando meu corpo e aliviando meus pensamentos. Respiro fundo e esfrego os olhos, tentando acalmar o cansaço e a solidão.
   Diariamente isso não me perturba tanto, apesar de ser uma dor constante, mas em dias como esse, a dor parece me perturbar mais do que o usual.
    Hoje faríamos dezessete anos de casamento. Fazem quatro anos que ela morreu. Quatro anos que minha vida parece uma tortura. É claro que não é o mesmo sentimento de como quando ela estava viva, é o sentimento de dor, de solidão. Sinto uma falta imensa de como ela enchia a casa de sorrisos e meu coração de amor.
    Às vezes me sinto preocupado e até...impotente.
  Perder minha esposa faz de mim um pai solteiro,um desafio  e tanto, principalmente quando seu filho não fala porra nenhuma.
    A possibilidade de lhe fazer sofrer mais do que já sofre me enche de angústia, e isso é definitivamente algo que me perturba.
    Talvez se eu...

      Toji!! Ei,frango! Vem aqui! - Ouço Marcos batendo na porta com violência, e os nossos amigos rindo.

     Já vai, cacete! - Resmungo e me enxugo, trocando de roupa e saindo, os cabelos ainda úmidos enquanto eu deslizo os dedos por eles, desembaraçando. - Essa noite eu vou beber, bando de cuzão!

    Então, feito um bom viúvo amargurado, viro a noite enchendo a cara e esvaziando o peito.

☆☆☆

As Linguagens Do AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora