A lembrança mais antiga de Caco é ele caindo do galho. Ele ainda é capaz de sentir o cheiro da queda. Essa memória persiste também, porque sua irmã Maca dá uma enorme gargalhada quando o assunto revisita.
Maca se diverte com absolutamente tudo. Por incrível que pareça, até quando ela está indisposta, ela diz que aí é que ela gosta. A ótica de Caco é oposta à de Maca; ele olha tudo com uma certa desconfiança. Mas não só por vontade própria. É que isso vem desde criança. Como uma gota de herança. Mas lá no fundo, ele ainda tem esperança de um dia adquirir confiança.
Caco não gosta de subir muito alto nas árvores, também não gosta de ficar muito perto do chão. Sem ter muita opção, encontra-se no meio, entre o céu e o chão. Esse é um local transitório para sua espécie, usado como via de acesso entre o subir e o descer. Todavia nesse local a visão de Caco se ajustou, tem uma amplitude maior do chão e das copas das árvores. Se vier uma ameaça de baixo, ele sobe imediatamente e avisa o grupo. Se vier uma ameaça de cima, ele desce avisando.
Por essas e outras, essa parte central ganhou um apelido carinhoso dos amigos:
"Lugar do Caco amigo".
Quer saber onde o Caco está? Olhe no meio!
Maca ironiza seu irmão dizendo que Caco tem medo. Caco não muito certo de seus sentimentos, diz que não tem medo de subir! Nem de descer! Mas prefere estar ali para também sobreviver!
Isso porque os predadores estão sempre à espreita. Esperando um descuido da presa para se aproveitar. Caco já presenciou tantas coisas desse lugar onde tem por costume ficar. Uma das coisas que ele percebeu muito rápido foi que o predador não tem muito trabalho para pegar o que ele quer. Ele apenas espera, calmo e pacientemente.
O oposto do comportamento da sua espécie que não para um minuto sequer. Caco é tão diferente do grupo que por inúmeras vezes foi confundido com outros animais. Extremamente contemplativo, é capaz de descrever com exatidão os movimentos de várias espécies que compartilham o mesmo espaço.
Com enorme respeito, sobretudo de si, Caco não se esforça para ser diferente. Esse seu jeito peculiar traz muitos benefícios para ele e para o grupo do qual faz parte. Ele é útil a ele mesmo e só assim consegue ser útil aos demais.
Maca conta uma história de autoafirmação que beira a exaltação. Ela diz que, quem nasceu primeiro foi ela! E que empurrou o Caco para dentro da barriga para ganhar impulso na sua saída. Diz ainda que Caco demorou para sair e foi preciso o pai subir na barriga da mãe, para empurrar Caco para fora. Maca dá gargalhadas contando essa história.
A verdade é que essa memória foi construída como base de apoio para se tornar "querida", pois Caco, mesmo tendo um comportamento diferente, era super querido e reconhecido. Caco sabendo sobre a fragilidade da irmã, achava graça em toda e qualquer piada que Maca contava. Mesmo sabendo que quando Maca contava alguma coisa, no fundo, no fundo, ela contava vantagem.
Maca detestava o jeito do irmão. Ela achava que Caco era como era para se aparecer, chamar atenção. Como ela evitava a todo custo lidar com os seus sentimentos mais profundos, hora ou outra ela se tornava bruta, com ações abruptas.
Caco que conhecia cada centímetro de cada pelo da irmã, sabia o que arrepiava e por que a cara fechava. Sabia que por trás dos lábios que mostravam às vezes os dentes, tentava dissimular a grande confusão da mente.
Caco respeitosamente tentava abraçar a irmã e aconchegar a mesma em seus braços. Mas Maca recusava seus abraços. Para terminar o embaraço, Caco sai sem perder o compasso.
Ele sabia que não poderia tocar em um assunto do qual a ele não pertencia. Alterar qualquer coisa na natureza não era um ato natural. O certo a se fazer é deixar a vida acontecer. Ele aceitava a irmã como era e sabia que seria incapaz de acrescentar ou tirar um único pelo de Maca. Quem dirá uma ideia, um pensamento, um sentimento.
Na cabeça de Caco tudo é como é e não como achamos que deveria ser. De tanto acharmos, perdemo-nos. Hoje não encontramos nem sequer nós mesmos. Tudo também se traduzia na irmã que gostaria de ser tudo, menos ela mesma.
A única coisa que Caco poderia fazer para a irmã era estar ao seu lado, oferecendo sua companhia com muita alegria. Sem impor absolutamente nada. Sem querer nem um milésimo de mudança.
Maca é ou está confusa, mas com todo respeito, não é burra. Com o passar do tempo percebe melhor o irmão. Claro que isso mais cedo ou mais tarde iria acontecer. Com os olhos voltados para fora, o óbvio não demora.
A pergunta que não saía da mente de Maca era: "Por que Caco é tão diferente de nós?"
Essa pergunta que corria em suas veias dominava sua mente. Algo mais forte que corrente tornou Maca prisioneira durante algum tempo. Neste momento Maca descobriu que; pergunta formulada, tem que ser perguntada. É sofrido demais viver sem resposta. Principalmente aquelas que consomem a mente.
Como fazer a pergunta da melhor forma?
Sem passar carão!
Sem parecer bajulação!
Sem ter chateação!
Maca começa um processo completamente novo em sua vida. O ato de pensar, repensar, refletir.
Como encontrar uma brecha para perguntar ao Caco?
Ela se aproxima mais dele. Passa mais tempo juntos. Não conseguindo levar o irmão para o lugar dela, decide então estar no mesmo lugar que o irmão. Caco observador nato reconhece a ligeira mudança da irmã. Mas não fala nada. Mantém seu dia a dia como era de costume.
Passam dias.
Passam meses.
Passam anos.
E a pergunta que não quer calar; calou. Maca nunca foi capaz de fazer a pergunta. Nem por isso deixou de obter a resposta. Porém, o que Maca descobriu diz mais a seu respeito, do que a respeito de Caco.
Maca descobriu que ninguém é igual a ninguém. Descobriu também que: Aqueles que se parecem conosco, parecem insuportáveis. Aqueles que não se parecem conosco, parecem estranhos.
Maca aceitou o irmão como era. Ela se aceitou. E descobriu mais coisas sobre si mesma. Coisas que não estão nem em cima, nem embaixo, coisas que estão no meio. Principalmente no meio... Entre nós!
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Caco e Maca gêmeos; insuportáveis e inseparáveis.
Short StoryO relacionamento um tanto quanto caótico entre macacos gêmeos que buscam o autoconhecimento através de suas aventuras.