II

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O dia raiava, Eli estava feliz. O pequeno garoto loiro de olhos acinzentados sabia que hoje era seu dia. Seu aniversário de sete anos, era hoje que começaria tudo que ele tanto almejou.

Lucian, o homem que havia resgatado anos atrás, contava como seria seu futuro. Ele havia o levado para a sede da Mão Dourada, uma guilda que agia na clandestinidade para proteger os cidadãos da cidade de Salandra, no extremo sudoeste do continente. A Mão, como era mais conhecida, agia roubando nobres, assassinando assediadores e aqueles que oprimiam o povo da cidade e, muitas vezes, livrando a cidade e os arredores de grupos de bandidos que atacavam vez ou outra a cidade. Esse era seu destino. Eli estava ansioso, pois Lucian, seu mestre, havia dito que, aos sete anos, começaria seu treinamento.

Ele estava tão animado para começar seu treinamento que levantou de um pulo de sua cama. Abriu a janela e deixou que a luz da manhã entrasse em seu quarto. A sede da ordem ficava em um prédio na extremidade norte da cidade, na rua do pequeno mercado que havia ali. O som da rua inundou seu quarto, mercadores montando suas barracas, trabalhadores indo para seus empregos no centro da cidade, senhoras indo em grupos para o rio lavar suas roupas. As casas e prédios de pedra reluziam o pouco sol que já iluminava a rua abaixo. No terceiro andar, Eli podia ver toda a cidade.

- Feliz aniversário, Eli! - gritou um homem de cabelos ruivos que montava sua barraca de peixes, o cheiro começando a se espalhar. - É hoje o grande dia então?

- Sim, Rudolph, hoje começa meu treinamento. - Eli tinha um sorriso tão grande que cobria toda a extensão do seu rosto.

Eli dividia o quarto com um outro garoto, dois anos mais velho. O quarto deles, diferentemente do que se imagina para dois garotos de menos de 10 anos, era organizado. A cama de Eli só estava bagunçada pois acabara de acordar, mas apesar disso, o restante do quarto era limpo, roupas dobradas e guardadas no único roupeiro de madeira simples que ambos os garotos dividiam. O chão estava impecável, bem varrido e sem brinquedos espalhados, estes estavam guardados numa caixa no canto oposto a porta.

Eli se pôs a arrumar a cama enquanto via seu amigo, Christian, dormindo, um lençol sobre as pernas. Quando se virou para acordar ele, viu um pequeno pacote embrulhado em um papel grosso e vermelho, amarrado com uma pequena corda. Em cima dele tinha um bilhete.

"Eli, hoje é o dia mais importante da sua vida até hoje, por isso lhe dou esse presente. Após te resgatar naquele dia, voltei a sua casa para procurar alguma evidência do que poderia ter acontecido, infelizmente foi uma busca infrutífera, mas encontrei esse anel junto do corpo de sua mãe. Esperei até hoje para lhe dar, como um presente apropriado para esse dia. Torço para que goste dele.

Me encontre em meus aposentos assim que acordar.

Assinado: Lucian"

Eli desembrulhou o pequeno presente e tirou de dentro dele um anel de sinete forjado em ouro, mas com detalhes em prata. Exibia uma coroa de louros com uma adaga no centro. Ao redor, símbolos que o garoto não reconhecia. Parecia muito antigo, mas brilhava como novo. Imediatamente ele colocou em seu dedo, porém, o anel caiu, seus dedos ainda eram muito pequenos para usá-lo. Pensando rápido, ele pegou a pequena corda de cânhamo que embrulhava o presente, passou pelo anel e amarrou atrás do pescoço, fazendo um colar para si. Com um sorriso no rosto ele deixou o quarto.

Eli caminhava pelo corredor do prédio em direção a escada na ponta do corredor, ouviu alguns ruídos vindo de dentro dos outros quartos e ficava imaginando o que os outros membros da guilda estariam fazendo agora. Sabia que membros de todas as idades residiam nesse andar, inclusive Pedro, um sacerdote que o ensinava a ler e a escrever havia alguns anos. Pedro era um homem de idade já avançada, seus cabelos longos e brancos caíam até abaixo do pescoço, só eram interrompidos em cima da cabeça, onde já estava calva, possuía um cavanhaque que Eli sempre achava engraçado, um triângulo de cabeça pra baixo, menor que uma unha que dava um ar jovial que não combinava em nada com sua pele enrugada. Como sacerdote do deus da luz, Roxan, Pedro também era curandeiro da guilda, além de ser o mentor de todas as crianças, antes de serem entregues a seus mestres.

Foi ele quem Eli viu saindo pela última porta do corredor antes de chegar à escada. O garoto tinha um sorriso imenso em seu rosto e não pode disfarçar uma risadinha quando viu a pequena barbicha de Pedro. O sacerdote usava um manto marrom, amarrado na cintura por uma corda grossa, ele se virou e se deparou com Eli.

- Eli, meu pequeno. Você parece animado, o que houve? - perguntou Pedro, acompanhando o garoto pela escada.

- Hoje é o grande dia, mentor. Começarei meu treinamento com mestre Lucian. E ganhei esse anel de presente. Ele era da minha mãe. - Eli tirou de dentro da blusa o colar improvisado com o anel.

- Vejo que é um belo presente. - Ele se abaixou e olhou o anel com atenção. - Deve ser muito importante. Veja, esse símbolo aqui - apontou para a coroa de louros com adaga. - Era usado em uma terra distante por grandes guerreiros, muitos deles alçavam à nobreza, chegando até a ser reis. Sua mãe deve ter vindo de uma família importante. - disse o mentor, com um grande sorriso no rosto enquanto subiam as escadas.

- O senhor acha, mentor? - os olhos de Eli brilhavam com a possibilidade.

- Bom, pelo menos é o que a história nos conta. Veja os símbolos, são tão antigos que eu precisaria de algumas horas estudando-os para poder traduzir.

Eli parecia satisfeito com a história e ficou admirando o anel enquanto caminhavam. Ele continha uma história e esperava descobrir ela.

Após subir mais alguns lances de escada, Pedro se separou de Eli que continuou subindo até o último andar. Quando chegou lá em cima, parou para admirar o horizonte da cidade. As muralhas com seus arqueiros, os pináculos dos templos, a torre de menagem no lado oposto. A cidade de Salandra, uma das cidades independentes, se erguia imponente no fim do continente. Ao olhar pra baixo, Eli viu as pequeninas pessoas indo de um lado para o outro, começando mais um dia. O pequeno garoto respirou fundo e se dirigiu até a sala no final do corredor.

A porta de madeira trabalhada a mão ostentava um batente com detalhes dourados, com pequenas folhas talhadas. Uma aldrava com a cabeça de um lobo pedia acima de Eli que teve que se esticar nas pontas do pé para alcançá-la. Não demorou muito para que ouvisse passos dentro da sala e a porta se abrisse. Lucian, um homem com mais de 30 havia assumido a liderança da Mão, quando o antigo líder, e seu mestre, faleceu alguns anos antes. O homem vestia uma camisa branca com um colete de couro marrom. Uma calça preta de um excelente tecido. Ao olhar para Eli, seu futuro pupilo, Lucian abriu um sorriso.

- Entre, Eli. - Abriu espaço e fez um gesto para que o garoto entrasse na sala. Eli ficou boquiaberto ao entrar na sala, era a primeira vez que visitava o lugar. Uma sala ampla, a parede de pedra bruta era revestida com uma camada de madeira lustrada, na parede oposta da porta havia uma grande janela aberta para que o sol iluminasse toda a sala, cortinas de tecido vermelho pendiam do lado da janela. O chão, assim como as paredes, era coberto com uma madeira lustrosa que refletia a luz do sol, dando ainda mais luz ao ambiente. Nas paredes laterais, armários com portas de vidro exibiam espadas, escudos, joias e até um peitoral. - Minha coleção particular, alguns itens foram recolhidos de quem não os merecia, outros ganhei como agradecimento. Vejo que você já começou sua coleção também. - disse apontando para o anel no pescoço de Eli. - Ele é muito bonito, lembro quando encontrei ele com sua mãe, parecia intacto, mesmo com tudo que passou.

- O mentor Pedro me disse que pode ser muito antigo e que minha mãe tinha uma família de guerreiros. - falou ele satisfeito, com orgulho.

- Sim, acreditamos que sim. - disse com um sorriso indicando uma poltrona em frente a uma ampla mesa de carvalho, lotada de papéis e documentos. Se sentou na cadeira, de costas para a grande janela e prosseguiu. - Veja, desde que resgatei você eu tento encontrar informações sobre o que aconteceu de fato com sua família. Consegui algumas informações, que direi no momento certo, mas elas não são conclusivas, ou seja, não sei exatamente quem foi e porque o fez. - Ele apoiou as mãos sobre a mesa com os dedos entrelaçados enquanto Eli prestava atenção ao que ele dizia. - Agora, vamos falar sobre seu treinamento. Você já está familiarizado com nossa ordem, acredito eu.

- Sim, mestre. - respondeu o garoto ansioso, segurando a cadeira com as duas mãos.

- Muito bem, e tenho certeza de que Pedro lhe ensinou a ler e escrever, correto?

- Sim, senhor.

- Excelente. - Lucian se levantou da sua mesa e foi até um dos armários na parede oposta. Abriu a porta e de lá tirou alguns livros com a capa de couro. Levando até Eli e colocou-os em frente ao garoto. - Seu treinamento começa hoje, e você entenderá melhor sobre a ordem conforme ele avançar e aperfeiçoará suas habilidades. - Ele levantou a mão quando Eli tentou protestar. - Lembre-se, conhecimento e disciplina são armas mais poderosas que espadas e adagas.

O Caminho de um AssassinoOnde histórias criam vida. Descubra agora