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O relógio marcava 14h04, mas o corpo da Tzuyu ainda tava perdido entre a pista de dança e o banco do carro. A drogaria cheirava a álcool — mas não o do uísque da noite passada, e sim o de limpeza, que agora dava náusea.
Sentada atrás do balcão, o cotovelo afundado no balcão de fórmica e a testa quase encostando no vidro do expositor de vitamina C, ela tentava manter os olhos abertos. Um cliente perguntando sobre pomada pra dor de dente parecia mais distante que a última dose de tequila.
— Sim, senhor. Segunda prateleira, do lado do soro — a voz saiu rouca, seca, como se tivesse mastigado cigarro ao invés de café da manhã.
Ela ainda vestia a camiseta branca do uniforme, mas o jaleco aberto revelava que não teve tempo — nem cabeça — pra se importar em passar direito. O cabelo preso num coque torto, a boca amarga, o celular no bolso vibrando em silêncio pela quinta vez naquele dia.
O sininho da porta tocou com aquele tilintar irritante de sempre, mas Tzuyu não teve energia nem pra erguer os olhos de imediato.
— Só um segundo — murmurou, com a voz arrastada, puxando ar como quem tava prestes a desmaiar em cima do balcão.
Parada a dois passos da entrada, sem dizer uma palavra, sem um sorriso. O cabelo escuro caía solto pelos ombros, a roupa preta justa sem ser vulgar, e o olhar firme como se nada ali fosse novidade.
Tzuyu piscou devagar, como se o cérebro precisasse de mais alguns segundos pra acreditar. E, de repente, os olhos se arregalaram.
— Mina?!
Levantou tão rápido que a cadeira quase tombou pra trás. O corpo, antes todo desabado, agora atravessava o balcão num pulo desajeitado, tropeçando no próprio cansaço só pra alcançar aquele vulto familiar.
Mina abriu os braços no exato instante em que Tzuyu colidiu contra ela. O abraço foi forte, quase violento de saudade. Tzuyu se apertou contra o peito dela como quem tenta esconder o próprio coração, e Mina — mesmo sem dizer uma palavra — envolveu os braços ao redor da amiga e a ergueu levemente do chão, num gesto que unia força e ternura.
O jaleco branco da Tzuyu subiu um pouco nas costas, e as pernas, soltas por um segundo, balançaram no ar como se fossem de alguém muito mais leve do que o peso da noite anterior.
— Céus... — Tzuyu murmurou com a voz trêmula, enterrando o rosto no pescoço da outra. — Eu não acredito que você tá aqui.
— Acredita — respondeu Mina, com um meio sorriso no canto dos lábios. — Eu ainda sou muito boa em aparecer quando ninguém tá esperando.
Ela a colocou de volta no chão com cuidado, mas sem soltar completamente.
A mão direita de Mina pousou na lateral do rosto de Tzuyu por um segundo a mais que o necessário. Havia carinho ali. Havia um tipo de intimidade antiga que resistia ao tempo, à distância e até ao fato de já terem sido mais que amigas.
Mina franziu o cenho, mas não era reprovação. Era cuidado. Os olhos percorreram o rosto de Tzuyu com atenção devota — sem pressa, sem rodeios — como quem observa uma pintura danificada pelo tempo, tentando lembrar onde estavam os traços originais.
— Você continua linda — disse, com uma sinceridade tão crua que fez Tzuyu desviar o olhar, como se o elogio doesse mais do que qualquer crítica.

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Relicta & a Maldição Âmbar ■SaTzu
Fiksi PenggemarEntre florestas antigas e ruas esquecidas, onde o tempo desliza como veneno, vive Relicta - uma criatura que nunca pediu salvação, apenas silêncio. Sana carrega o charme de quem já enterrou mil segredos e sobreviveu a todos eles. Sedutora, fria, per...