Sobre Lady Dalvalina de Amaranto
Eu saía de minha casa naquela tarde enquanto mamãe dormia. Como eu não tinha muitas vestes, sempre partia apenas com as roupas do corpo. O sol já estava se pondo e eu estava lá na frente de casa esperando passar uma carroça para dar-me carona.
Me batia um alívio sempre que eu via o pavimento da cidade, era tão bonito aquilo, nem se compara à estrada de terra batida do interior. Deus abençoe o asfalto!
Era uma quinta-feira, dia que Lady Dalvalina de Amaranto fazia sua faxina geral, geralmente ela contratava pessoas a mais pro dia. Sua rotina era rigorosa, ela gostava de fazer uma grande ceia para a elite da cidade todas sextas. Era lá onde iam os banqueiros, o prefeito, vereadores e os grandes fazendeiros e empresários.
Assim que eu desci da carroça de um mercador qualquer, fui em direção à casa dela, o famoso Casarão Rosado. Uma construção desnecessariamente grande, três andares, dois salões de festa, sala de jantar, uma cozinha industrial, quartos para empregados, para hóspedes e a suíte da dona da casa, além é claro do elegante hall de entrada. Tudo mobiliado com móveis de cedro e de jacarandá, quadros caríssimos dos mais variados estilos, estátuas, lustres, santos de madeira com detalhes de ouro, enfim, deve ser a coisa mais luxuosa na qual eu já estive.
Eu bati à porta dos fundos naquele dia, em questão de segundos a governanta da casa abriu para mim.
— Ah, senhorita Isabella, que surpresa boa. Chegaste no momento exato, deu a louca em Dona Dalva ela está trocando todos os quadros da casa. — disse Madame Perlla, uma senhora alta e gordinha que usava sempre o mesmo vestido preto do uniforme com um avental roxo, cabelos presos num coque e um broche de esmeralda.
— Bom noite, — eu disse cordialmente entrando — por que ela está trocando os quadros? Eles são tão belos.
— É alguma loucura que ela viu na Metrópole, a tal da Arte Moderna. Simplesmente ela estava num leilão e comprou 13 quadros desses e já nos obrigou a decorar os artista: Picasso, Malfatti, Tarsila do Amaral e... ah, que seja, eu esqueci o resto. Um dia eu decoro. Venha por aqui, tem trabalho para você no Salão Rosa.
E ela me conduziu pelos cômodos da casa, uma muvuca mais monstra do mundo tomava conta do imóvel, pessoas de uniforme correndo, limpando, espanando. Os quadros antigos dando espaço a quadros, no mínimo, exóticos. Os lustres e estátuas estavam sendo polidos, o chão encerado, as panelas ariadas. Tudo tinha que estar perfeito, eu entendo, mas nunca tinha visto uma faxina naquele tamanho.
— Eu vou me ausentar para pegar um uniforme para você, espere... — disse Madame Perlla quando estávamos na sala de estar, quando ela foi subitamente interrompida.
— Senhorita Isabella, estou certa? — indagou uma mulher que descia da grande escadaria central.
Era Dona Dalva, vestida num vestido tubinho preto, com um chapéu azul marinho todo decorado com penas escuras, seu cabelo chanel devia ter sido aparado recentemente, em sua boca se destacava o batom vermelho escandaloso e um salto alto também preto. Ela era a suma de toda a elegância e, mesmo sendo uma senhora de 60 e poucos anos, ela mantinha seu rosto sem rugas, parecia ter no máximo seus 40 anos. É claro, o que mais chamava atenção na senhora era seu colar cravejado de esmeraldas, ela amava essa jóia.
— S-sim, Lady Dalvalina. — eu disse fazendo uma pequena reverência, estava espantada por ela se lembrar do meu nome.
— Eu sabia que lembrava de você, não é a primeira vez que você vem aqui. — ela descia a escadaria enquanto falava — Agora me diga, você também faz faxina na casa de Dona Maria Lourdes, não é? Casa 7 da Rua dos Boêmios.
— Ah, faço sim. Mas por que a pergunta?
— Venha comigo, hoje você é minha convidada de honra para meu pequeno e modesto baile.
E eu a acompanhei para o quarto dela. Estava completamente perdida, mas daí Dona Dalva simplesmente começou a escolher um vestido que serviria em mim. Ela olhou para um rosa, mas disse que cores claras estavam fora de moda, o vermelho não a agradava, o branco também não, "não estávamos em um casório" segunda a Lady. Então ela viu o vestido cor de vinho.
— Este daqui é perfeito, não acha?
— Bem, é mais elegante do que qualquer coisa que eu poderia vestir. Eu só tenho esses trapos aqui.
— Hum, — disse Dalvalina passando a mão no meu vestido — realmente é um trapo bem vagabundo. Você ficaria linda neste vinho... com este chapéu e... este colar de ouro, é modesto, mas é lindo
— Ah, Lady Dalvalina, desculpe, mas eu não estou entendendo nada. Por que a senhora quer uma, perdão pela palavra, uma pobretona que nem eu no seu baile?
— Hoje Lourdes está convidada ao meu baile. Eu não queria, odeio ela, mas a desgramada se casou com um dos comvidados recentemente. Não tinha como eu desconvidá-la. E como aquela senhora se orgulhava de ter uma "empregada" - no caso você - eu resolvi te convidar para o baile.
"Imagine só a cara daquela velha capenga quando ver a tal empregada dela no mesmo baile que ela. — e Dona Dalva riu-se de sua própria maldade.— Mas eu ainda vou ganhar meu salário por fazer isso?
— Ora, quem liga para salário quando se está no maior evento da cidade? — disse ela sacando um cigarro de algum lugar e acendendo — aceita?
— Aceito... mas enfim, eu preciso do salário, se não eu não tenho como levar comida lá pra casa, sabe? Então, gostei muito do convite, mas...
— Você não vai recusar vai? — ela disse fechando a cara — Vamos lá, não se recusa o convite de uma companheira de tragadas.
— Realmente, eu adoraria poder ficar e ver a festa, mas não dá pra mim.
—
Eu te contrato. Eu preciso do gosto dessa vingança.
— A senhora faria mesmo isso só porque não gosta de Dona Lourdes? — indaguei incrédula.
— Tá, sente aí que eu vou te explicar tudo. A Lourdes tem uma irmã que mora ao lado, Maria Odete, a cozinheira do barzinho. E esta dita cuja por sua vez, tem um sobrinho, um embuste se assim preferir, chamado Jorge.
— Ah, o garçom do bar? Conheço, vivo indo lá comprar cigarros.
— Garçom! — disse ela se engasgando com a fumaça e tossindo — Um garçom! Isto é ainda mais revoltante.
— O que houve?
— Ora, o capeta da Lourdes apresentou este garçom para minha filha querida, a Esmeralda. Apresentou ele como sendo um herdeiro de um fazendeiro rico, não como um garçom.
— Oh, mas Jorge é herdeiro de um fazendeiro, claro, não é um fazendeiro rico, mas o pai dele tem umas 5 vacas no interior.
— Ah, você tirou um peso do meu coração. Esmeralda havia se encantado por esse traste, eu o odiei desde o princípio, cheguei até a achar que havia exagerado em mandar minha filha pra Europa. Glória a Deus que você me disse isso.
— Bom saber que eu ajudei. Eu nem sabia que Dona Lourdes mantinha contato com a senhora.
— Ela nos apresentou àquele diabo na missa, eu mesma não a chamo para vir aqui. Mas falemos de coisas boas, sim? Você será minha nova dama de companhia e seu trabalho começa hoje. Férias somente com um ano de trabalho e você fica aqui em casa de segunda à sexta. Tudo bem para você?
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Tempos Brasileiros
Mystery / ThrillerSinopse: Tempos Brasileiros é uma história contada pela jornalista Isabella Pereira, que teve a sorte de poder presenciar todos os detalhes de um dos maiores escândalos da alta sociedade brasileira. Toda a obra se baseia em contar a vida da autora...