Capítulo I

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Sobre minha vida como pobre e mamãe

Querido leitor, se estás a ler este livro significa que estou morta. Tenho andado bastante doente, um câncer de pulmão que se espalhou por aí no meu corpo. Quem diria que fumar tanto assim teria consequências?

Sabe, por vezes eu peguei a caneta e o papel para escrever esta história, a história de minha vida, queria guardar tudo aqui: sobre minha fortuna, meu casamento, minha viuvez, alguns assassinatos, uns esquemas meio ilegais, coisas básicas na vida de toda socialite. Meu único problema é que este começo é tão... chato? Não sei se esta é a palavra que eu usaria, mas ej não gosto de falar de quando fui pobre, sabe?

Eu tentei, eu juro que eu tentei escrever um começo decente, fiz uma versão que detalhava demais minha pobreza, odiei e joguei fora, fiz uma versão que o deixava mais dramático, mas falhei, isso aqui não é dramático, é tão empolgante quanto ver a grama crescer. Mas pegue na minha mão leitor, eu juro que quando eu ficar rica as coisas melhoram.

Tudo começa no interior do Piauí, nos arredores de uma cidadezinha furreca e falida. Eu vivia lá com minha mãe, tão falida quanto a cidade, numa comunidade de quebradeiras de coco babaçu. Para aqueles que não sabem, o coco babaçu dá numa palmeira, o trabalho da quebradeira consiste em se atrepar na palmeira, subir tudo até o topo, derrubar os cocos e começar a quebrá-los pra tirar uma castanha e o seu óleo.

Eu sempre odiei esse trabalho, subir em árvores e quebrar cocos. Me recusava a fazê-lo. Esse era meu maior desgaste com mamãe, ela defendia fortemente o "ganha pão de uma linhagem inteira". Até minha tataravó era quebradeira.

Houve um dia que eu mal acabara de voltar para casa após uma viagem à cidade. Tomei um café com mamãe e ela começou a sua ladainha:
— Minha filha, um dia meu machado vai ser seu e você vai seguir a profissão que sua avó Cecília seguiu.

— Mamãe, eu não preciso disso, — eu retrucava toda vez que esse era o assunto — todos nós sabemos que vovó odiava esse trabalho.

— É porque a gente não gosta de trabalho, Isabella, a gente gosta de viver e você só vivi se trabalha.

— Eu discordo tanto, quando eu vou na cidade e vejo Dona Dalva lá com aquele batalhão de funcionários a servindo... aquilo é que é vida mamãe.

— Dona Dalva é rica, você não é. Ou trabalha ou passa fome.

— Você fala como se eu não trabalhasse, eu gasto minha semana inteira na cidade fazendo bicos de faxineira. Inclusive, Dona Dalva é minha maior cliente até agora, — eu disse sacando um dinheiro de dentro da minha sapatilha — veja só o quanto ela pagou.

Hum, considerando o tanto que aquela véia capenga é rica, eu acho que pagou foi pouco.

— Ora mais, mamãe. Toma tento, a cooperativa nem sequer te paga esse tanto por quilo de coco vendido. Isso aqui foi só por trocar os quadros de lugar.

— Pois vai pensando que a vida é fácil assim. — disse ela em um tom repreensivo — Não vou com a cara daquela branca azeda, graças a Deus que eu só a vejo na Igreja, porque se eu a visse na rua, ah se eu visse, não sobraria um fio de cabelo nela.

— E porque a senhora a odeia tanto?

— Te interessa não. Você não quer ser farinha do mesmo saco daquela véia? Vai perguntar pra ela, aí aproveitam as duas e pegam o rumo do inferno. — e ela levantou-se, pegou o machado e foi se atrepar nas palmeiras. Dali ela só voltaria na hora de dormir.

Bem, eu não me zangava com mamãe quando ela falava assim. Era costume dela mandar as pessoas pro inferno toda vez que se irritava – e ela se irritava muito facilmente. Me lembro perfeitamente duma tarde de domingo depois da missa que mamãe havia convidado um senhor para jantar conosco.

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