001 - sunday.

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A sensação de liberdade é sentida de maneira intensa e singular

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A sensação de liberdade é sentida de maneira intensa e singular. Acompanhada do alívio ou do desespero, raramente no meio termo — o que não era o meu caso, já que, pro meu azar, era o desespero que me revestia —.
Tinha vinte e dois anos e parecia que eu vivia uma crise de meia idade. Sair da casa dos meus pais estando cursando o terceiro período da faculdade de enfermagem era a última coisa que eu imaginei que aconteceria. Mas, aparentemente, ser gay ainda é um tabu nos dias atuais.
Coloquei a última caixa da mudança no chão e respirei fundo, ainda tinha muito o que mudar dentro de mim. Quando a gente é pequeno, idealiza muito a vida adulta numa vivência luxuosa. E quando somos adultos, nos pegamos agradecendo pelo apartamento de 40m² encima de uma oficina num bairro perigoso.

— Ufa, finalmente.- Chan disse enquanto passa a palma de sua mão na testa, fingindo limpar um suor inexistente.

Conheci Chan no segundo ano do fundamental, estávamos na aula de educação física quando jogávamos futebol e o meu time ganhou do dele. Não pude perder a oportunidade de irrita-lo por isso, mas acontece que o pequeno Christopher chorou e eu fui obrigado a fazer as pazes com ele no dia seguinte.
Prometi que nunca mais o zoaria, e que o ensinaria a jogar tão bem que seríamos até mesmo uma dupla.

— Pra quem vai morar num lugar tão pequeno, você trouxe bastante, coisa, né.- Seungmin olhou ao redor enquanto dizia.

Seungmin foi uma surpresa agradável em minha vida. Sendo estrangeiro, chegou confiante na faculdade de uma cidade grande como Seul. Isso me encantou, me deixou instigado à conhece-lo mais.
Ele, entretanto, deixou claro que estava ali apenas pelo ensino e nada mais, um cara que não fazia questão de amizades. Porém, eu adoro desafios.

— Eu tenho que dar vida à esse lugar, né.- respondi me jogando no acolchoado do sofá.— Nem acredito que eu me mudei mesmo.

— Um grande passo para um pequeno homem.- Chan brincou e revirei os olhos em resposta.— Mas sério, Ji, você fez a escolha certa. Pelo menos por agora, enquanto você não se resolve com seus pais.

— Acho que só me resolvo com eles no dia que eu for menos gay.

— Pelo menos você pode ser gay em paz, então.- Seungmin disse em descontração.

Por incrível que pareça e por mais afetado que eu estivesse, não era a rejeição que me afetava naquele momento.
O dinheiro era o que me preocupava. Claro, eu tinha uma certa quantia guardada, mas pra pagar a mensalidade da faculdade, aluguel e despesas da casa, aquilo duraria três meses no máximo.

— Olha, gente.- me levantei ficando na frente deles.— Eu agradeço que vocês tenham vindo me ajudar, mesmo, mas eu preciso aproveitar o resto do dia pra ver se encontro algum lugar aqui perto que esteja contratando.

— Eles crescem tão rápido.- Chan brincou.

Decidi acompanha-los até o lado de fora, descendo a pequena escada estreita em fila.
O lado de fora não era tão desagradável, afinal. O bairro foi construído para ser residencial, e mesmo que grande parte dos moradores ali fossem idosos já aposentados, era possível distinguir aonde as construções que constituíam uma comunidade se localizavam.
Os piches e as artes eram destoante da paleta de cores das demais construções, e por mais que fosse desagradável à primeira vista, eram todas bem feitas.
A mecânica de Changbin se destacava. As paredes revestidas em preto com seu letreiro vermelho escrito "CB97" entre as casa beges e brancas vizinhas chamava a atenção. Aquele não era um nome muito convencional para uma mecânica, pensei. Não conheço praticamente nada de Changbin, conversamos poucas vezes depois de que vi seu anúncio na internet — o desespero para sair de casa era real, com certeza — e sempre com um assunto burocrático. Mas, das poucas vezes que conversamos, ele foi paciente e muito atencioso, o que me deu uma boa impressão sobre ele.

ARDOR • minsung.Onde histórias criam vida. Descubra agora