Restaurante

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"Minha mãe sempre disse... que rico é rico e pobre é pobre. Mas toda vez que eu via ele, eu esquecia disso"

Andava pelas ruas do Rio de Janeiro sentindo a brisa leve. Meu fone tocava uma música nacional qualquer, provavelmente Seu Jorge. Neste horário, a favela onde moro fica mais calma, então aproveito para ir caminhando até o trabalho.

Não era muito cedo, havia pouca movimentação. As pessoas já haviam saído para trabalhar, então as ruas estavam vazias.

O sol estava forte naquele dia. Ainda mais pois estava perto de meio-dia.

Caminhava até o meu local de trabalho, pronto para enfrentar tudo que viesse pela frente.

Quem me visse de longe nem imaginaria que trabalho.

E inclusive, é em um dos lugares mais chiques do Rio, com uma vista maravilhosa. Por ser considerado um local espetacular, é muito concorrido. A maioria dos clientes são estrangeiros e conseguem admirar a paisagem dos pontos turísticos em apenas um restaurante.

E por incrível que pareça, está localizado em uma favela.

Me esforcei muito para conseguir uma vaga, pois como citei anteriormente, é muito concorrido.

Eles não confiavam muito em mim por ter todo o preconceito com moradores de favela, mas com o tempo ganhei a confiança deles.

Ainda mais tendo um corpo tatuado e com alguns piercings.

Acharam interessante o fato de eu ser morador do bairro e saber grandes coisas sobre os pontos turísticos principais que o restaurante dava acesso para observar.

Distraído com a música que tocava em meus fones, nem percebi quando já havia chegado.

Peguei a chave do meu armário que estava em meu bolso e fui até ele, abrindo e pegando as coisas essenciais. Aproveitei e deixei meu fone e minha chave de casa ali.

- Bom dia Minho! - disse uma das funcionárias responsável pela cozinha. Ela sempre tinha um sorriso no rosto e seu avental branco que já havia virado parte de si. Ela trabalha lá faz anos pelo que contou, e diferente das outras senhoras de sua idade, tem uma memoria excelente, principalmente para fofocas.

- Bom dia Sra. Kim! - respondi amigável. Ela era uma das únicas pessoas que conversava sem sentir uma vontade irreconhecível de revirar os olhos.

- Tatuagem nova, querido? - perguntou olhando para a aranha em meu braço direito.

- Gostou? - perguntei enquanto melhorava o angulo para ela ver melhor.

- Amei, combina com você. Bem trevoso. - ela disse e eu gargalhei, a olhando surpreso pelo último comentário.

Logo recebemos a confirmação de que o local iria abrir, então fui até o lugar dos garçons, já treinando alguns rostos amigáveis para tentar disfarçar minha preguiça de estar ali.

Um dos problemas de trabalhar em lugares assim, era que havia muitos ricos mimados, e quem levava a culpa era os garçons.

Tinha momentos que eu queria mandar a pessoa se fuder e deixar tudo por ali, mas tinha grandes chances de eu ser demitido, então tento manter a calma.

As pessoas começaram a chegar, então fui fazendo meu trabalho. Entregava os cardápios, os pedidos, e ouvia as reclamações de preços como se fosse minha culpa.

Porém, um homem chamou a minha atenção.

- Além dessas qualidades de comida, olha esse garçom! Claramente um morador de favela. Todo tatuado, com piercing, e essas roupas? Só o que me faltava. Espero que não venha nos atender. - ele disse.

Abandonei a mesa que estava indo e fui em direção aquela, vendo o homem me olhar surpreso.

- Bom dia. Já decidiram o que irão comer? - pedi educadamente, sustentando um sorriso no rosto.

- Eu vou querer um suco de morango, mix de folhas e salmão grelhado. - a mulher dizia me entregando o cardápio com um sorriso leve.

- Um suco de laranja. - o homem disse sem olhar na minha cara, apenas colocando o cardápio de lado.

- A-ah... Hmm... um Paella Carioca para duas pessoas e... um suco de morango. - por fim, disse o filho, também sem olhar na minha cara, mas dessa vez, era por um bom motivo. Ele estava tímido, e era perceptível.

Estava vermelho, e eu sabia que era por minha causa.

Anotei todos os pedidos e fui até a cozinha deixar ali. Continuei meu trabalho normalmente, porém, toda vez que passava por aquela mesa, sentia o olhar dele sob mim.

- Minho, cuida do caixa por favor. - um dos funcionários me pediu, provavelmente pois o movimento havia diminuído.

Iria reclamar até ver que aquela família se levantava para ir pagar. Sorri fraco e esperei eles virem até mim.

O mais velho me entregou a conta já abrindo a carteira.

- Deu 363. - disse simples.

- Ah, só? Ganho isso por minuto. Paga pra mim Jisung. - disse em tom debochado, e entregou o cartão ao filho, logo saindo do estabelecimento.

"Então é Jisung o nome dele" pensei.

- Desculpa por isso... - sussurrou sem me olhar e me entregou o objeto, que logo inseri na maquininha.

- Tudo bem, gatinho. - disse olhando em seus olhos e pegando o cartão, vendo ele ficar vermelho. Sorri de lado e, disfarcadamente, peguei um papel e uma caneta, anotando meu número ali.

Estava brincando com fogo? Talvez, mas quem se importa?

Retirei o cartão e coloquei o papel junto, entregando para ele.

Ele pegou de minha mão, e quando percebeu sorriu, me olhando. Encarei de volta e pisquei para si, vendo ele ficar vermelho e sair do local às pressas.

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