A lua cheia estava iluminando o céu da cidade de Calabra quando Morfeu Donas passou como um trovão pelos telhados da viela estreita.
Apenas um pulo após o outro que, tomando cuidado com as telhas quebradas das casas mais antigas, o mantinha próximo de seu alvo.
Ramiro Bernoq, um dos sábios que serviam aos monarcas daquela cidade. Um homem que ocupava um cargo de valor por sua inteligência, mas pareceu um tanto desatento a tudo que acontecia ao seu redor.
Graças ao traje preto, era simples se tornar invisível durante a noite. E, também, os calabrianos estavam sempre ocupados demais comendo o máximo de assados possível e intornando canecas inteiras de espumante para se manterem atentos o suficiente.
E era por causa dos seus pés, leves como o vento, e sua habilidade de se misturar à sombras, que se tornou o ladrão mais conhecido de Calabra.
Claro que nenhum deles conhecia o Morfeu Donas, o jovem esquisito que perambulava pelas ruas de Calabra com o rosto baixo e os olhos distantes.
A fama era do grande Vento do Norte, o ladrão que furtava objetos diante dos olhos de seus donos, rápido como uma brisa. Morfeu se permitiu sorrir quando se lembrou de seu último trabalho.
Mas, dessa vez, fora contratado por um cara de aparência boa e, aparentemente, bastante importante. A túnica de linho e cetim que usava deixava isso óbvio.
Foi confiado a Morfeu apenas um trabalho.
Seguir Ramiro, roubar o amuleto que usava no pescoço e sumir da cena antes mesmo que seu alvo conseguisse notar sua presença. Mas o ladrão já havia aceitado que seria impossível, já que o homem tinha o amuleto pendendo do pescoço.
Morfeu saltou mais uma vez, de um telhado a outro, observando seu alvo parar diante da porta de madeira de uma das casas da viela. O sábio bateu e não demorou muito para que a luz de um lampião vazasse pelos vãos da porta e ela se abrisse.
Uma ripa de sustentação rangeu e, com um assovio flutuando pelo vento, Morfeu sentiu a aproximação repentina de alguém atrás de si, fazendo sua mão escorregar para a adaga ao lado de sua cintura.
Morfeu Donas segurou o cabo da lâmina com força.
O som dos pés chocando-se contra o telhado o fez se virar.
— Espiando mulheres peladas pela janela mais uma vez, meu caro? — Nodin, seu parceiro, perguntou com as mãos diante do peito e com um sorriso torto.
Morfeu revirou os olhos e sabia que fora uma pergunta boba. Nodin estava vendo seu traje de trabalho e o jovem ladrão não saltaria dezenas de telhados somente por diversão. Bom, talvez sim.
Voltando-se novamente a Ramiro, Morfeu perguntou com a voz uma oitava abaixo do normal:
— O que faz aqui, Nodin?
Ramiro já havia entrado na casa. Ótimo. Morfeu descobriria a identidade do dono da propriedade e se o sábio costumava fazer vizitinhas, como aquela, todas as noites.
A porta se fechou.
Nodin se agachou ao seu lado, notando toda a atenção fria do ladrão àquela casa simplória.
— E qual é a boa da vez? O que vamos roubar?
Morfeu deixou seus olhos escaparem até o seu amigo.
— Você quer dizer: o que eu vou roubar.
Nodin bufou.
— Somos uma equipe, Morfeu.
— Fui contratado sozinho, hoje.
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LÂMINAS DE AREIA
FantasiaA VIDA DO POVO DO DESERTO PODE SER SALVA POR OWEN DRUMOR - o príncipe de Sahara que nasceu com o dom de sentir a água em uma terra onde a seca impera. O Grande Deserto foi assolado por uma seca nada natural que destruiu a magia na maioria dos terri...