Capítulo 6

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Finalmente conseguia sentir algo próximo ao que as pessoas descreviam como “lar”. Retornar ao pequeno apartamento que dividia com Berenice em sua época de solteiro foi quase terapêutico para se desintoxicar daquela casa enorme e vazia. Era óbvia a distinção entre os dois espaços, o luxo e regalias não eram mais parte de sua rotina. 

A cozinha era pequena, seu quarto tinha apenas uma cama e um pequeno armário branco decorado com adesivos das suas séries favoritas, descascados pelo tempo. A iluminação natural era provida por um pequeno basculante e as paredes tinham um tom de branco hospitalar. Além disso, a porta não fechava e não havia espaço suficiente sequer para as suas malas. 

Apesar de todas essas complicações, aquele cheiro de canela barata e o ambiente sóbrio o confortava mais que qualquer travesseiro de pena de ganso ou espuma estrangeira. Nem o melhor dos aromatizantes que suas empregadas usavam se comparava à típica misturinha que Berenice o ensinou há muito tempo. 

Passaram-se cinco dias desde sua separação, o processo de divórcio ainda sem previsão de assinatura, mas seria em breve. Doutor Rodrigo havia o ligado mais cedo para contar qual o destino de seu marido depois das denúncias e uma confissão dele, mas Kelvin não quis saber das minúcias. O que importava é que ele estava preso, aguardando julgamento do juiz e sem direito a fiança, devido aos crimes múltiplos aos quais foi indiciado. O advogado respeitou a vontade de seu cliente, mas não deixou de observar que aquela situação era mais que vantajosa, já que a porcentagem da divisão de bens seria ainda mais favorável à vítima. 

Claro que Kelvin ficou feliz em saber que a justiça foi feita e havia uma alta probabilidade de sair ainda mais rico dessa história, mas, naquele momento, só queria paz. Aquela sensação gostosa de estar andando com as próprias pernas, a euforia de cada conquista, a redescoberta da liberdade. Sentia-se como um presidiário liberto, sem saber o que havia mudado no mundo, solto com uma reputação manchada e memórias que preferia esquecer. A algema que o prendia deveria estar em algum lugar do rio perto da casa Gandra, seu carcereiro não iria mais tê-lo sob custódia e agora era um homem livre em plenos direitos. 

As marcas físicas já desapareceram, mas as emocionais permaneciam como uma punição. Por isso, convencia-se sempre de que uma mente com passado deveria equilibrar-se com um coração cheio de futuro, como havia ouvido em um comercial da Fernanda Montenegro. Por essa perspectiva de futuro, vivia um dia de cada vez, baixando três aplicativos de vagas de emprego e se inscrevendo em todas que poderia se encaixar. Apesar do tempo de formação, seu histórico profissional era bom o suficiente para se posicionar novamente no mercado. Sua inscrição em uma pós-graduação já estava em andamento e aquilo o dava motivos para sorrir e esquecer o passado nebuloso que o perseguia como uma sombra. 

Até porque, era um pouco difícil lamentar a perda de um marido abusivo quando tinha outros braços para se aconchegar, de um homem que o adorava, respeitava e queria por perto. A saudade apertou em seu peito enquanto deitava em sua cama forrada com um edredom com estampa de oncinha. Desde que chegou ao apartamento de Berê, eles não haviam se visto realmente. Trocavam mensagens durante o dia e chamadas até tarde da noite, mas o contato físico estava ausente. Não era uma coisa ruim, já que foi um pedido de Kelvin, mas sentiam saudade. O menor precisava daquele tempo um pouco mais distanciado de tudo, andando com suas próprias pernas, organizando seu quarto e acostumando-se novamente com a casa. 

— Eu tava aqui pensando com meus botões… — Berenice falou, encostando-se no batente da porta — Você tá precisando sair um pouquinho. 

— Ah, Berê, não sei. — Kelvin respondeu, encostando-se na cabeceira e brincando com o celular em seu colo — Tô tão feliz aqui quietinho. Acho que perdi até o jeito desses rolês aí que a gente fazia. 

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