Caia uma chuva fria, era mais uma noite de novembro. Novembros eram sempre chuvosos, e eu só queria ir para casa. Como eu queria os braços quentes de minha esposa e o aconchego de minha cama. Como eu estava com saudade de casa.
Eu estava em uma viagem a trabalho, era comum, meu cargo exigia reuniões em outras cidades, e às vezes até outros países. Dessa vez eu estava em uma cidade vizinha. Um voo curto, me separava de casa. Já estava fora de casa há mais de um mês, então não foi nenhuma surpresa assim que terminei minhas obrigações, eu não quisesse nem esperar pelo dia amanhecer para ir embora. Quanto menos, aguardar pelo voo, que por conta das condições climáticas estavam sendo adiados. Fui até o guichê de entrada do aeroporto, aluguei um carro e parti, seriam duas horas dirigindo, mas logo, eu estaria em casa.
Peguei a autoestrada, eu adorava dirigir de madrugada. A tranquilidade e a estrada deserta era algo que sempre me transmitia uma paz. Quase não havia movimentos de outros carros, a rua estava parcialmente escura e as gotas grossas da chuva, iam batendo no para-brisa, ecoando o som. Eu estava atento ao trajeto, pois sentia o carro dar umas escapadas devido ao acúmulo de água na pista. Mas, em certo ponto, era apenas eu e a estrada. Não tinha outros carros, então, relaxei, não me importei com a chuva, fui fundo no pedal e acelerei... A sensação era extraordinária, como seu eu fosse um deus da velocidade, como se eu e o carro, fôssemos um só. Minha autoconfiança foi nas alturas, e eu só pensava, estou cada vez mais perto de casa.
Eu estava quase chegando na minha cidade, já passara pela placa que dava Boas-vindas. Conhecia aquele pedaço como ninguém, então ignorei as placas que alertavam para o risco de animais na estrada. Minha confiança foi a minha cegueira. E foi assim... Tudo aconteceu tão rápido. Numa fração de segundos. Um animal surgiu e cruzou as pistas, atravessou o meu caminho. Por instinto, desviei, girei o volante ao máximo, perdi o controle e quando eu vi… Meu semblante era de total terror. Tentei, em vão recuperar o controle. Mas, era tarde demais. Quando dei por mim, havia outro carro parado no acostamento, sinalizações que alertavam que ele estava com algum problema mas eu não consegui reparar na hora.
Eu desviara do animal, evitei por pouco de colidir com o carro. Porém, mais a frente, vindo na direção do carro parado, provavelmente seu condutor. Com um galão de gasolina nas mãos. Não houve tempo o suficiente para uma terceira manobra.Só senti o choque do impacto. Eu tive a impressão até mesmo de sentir às quatro rodas passar por cima dele, aquilo gelou minha espinha. Consegui parar o carro apenas alguns metros a frente. Eu acabara de atropelar alguém… Minha cabeça girava, meu estômago dava voltas e embrulhava. Mas, por quê? Por que ele estava ali? Logo naquele momento.
— Não!!! Não!!! Não!!! — Repeti eu.
Sai do carro e fiquei sem entender. Sem saber o que fazer… Eu não poderia estragar minha vida assim… Não fora minha culpa… Não foi… Tentava me convencer. Aconteceu num piscar de olhos, mas quem entenderia? Com certeza iriam me condenar… Eu não poderia ir para prisão. Minha família… Minha carreira. Eu não poderia perder tudo. Ainda mais devido a um tolo que vinha a pé na estrada de madrugada.
O que eu fiz a seguir, fiz por autopreservação. Peguei umas luvas na minha mala, dei marcha rê no carro, vi o estado do corpo… Quanto sangue… A pior parte era o rosto. Meu estômago revirou… Tive ânsia de vômito. Por ser arrastado, seu rosto praticamente não havia mais pele, eu conseguia até mesmos ver os ossos do crânio em meio a carne que se despregava. Tentei me recompor. Não poderia ficar demorando pensando duas vezes. E se aparecer alguém? Eu não conseguiria escapar. Então me apressei.
Eu cresci aqui, conhecia aqueles arredores como poucos, olhei ao redor, sabia que ali perto, havia um lugar onde antigamente tinha sido um assentamento indígena, hoje abandonado, e praticamente ninguém visitava essas terras, um povo supersticioso de uma cidade do interior, que acredita em maldições.
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Noiva de Sangue - Contos da Meia Noite
Short StoryEla era uma jovem como todas as outras, gostava de festa, gostava de se arrumar, e sonhava em se casar com um Príncipe, e ser feliz para sempre. E a vida dela poderia ter sido um conto de fadas... Mas o Destino quis fazer dela, uma Noiva de Sangue.