Absoluto

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Absoluto


Tem dias que eu não sinto nada, absolutamente nada. Não sinto vontade de morrer, mas também não sinto necessidade de viver.

Tem dias que eu sinto a necessidade de olhar para o nascer do sol, e correr atrás dele até não existir mais ar em meus pulmões.

Fazem dias que eu não me sinto bem
Fazem dias que eu não me sinto mal
Faz dias que eu estou estagnado no tempo
A vida passa, a vida continua, a vida para. Tudo passa
Menos essa sensação de neutralidade

Desde que nascemos fomos apresentados a um roteiro estabelecido de uma vida próspera: nós nascemos, crescemos, aprendemos, produzimos, procriamos, envelhecemos e morremos.

Em resumo, se você tem a sorte de seguir os padrões sociais convencionais, graduará aos 18 anos, casará aos 25, alcançará o sucesso profissional aos 30, terá filhos aos 34, chegará ao auge da carreira por volta dos 40-42 e se aposentará aos 67, desfrutando de uma família feliz digna de comercial de refrigerante no Natal.

Contudo, para aqueles que não definem seus caminhos antes dos 25, ou nunca se encaixaram nos moldes, a vida pode ser um desafio. A grande massa que não teve o privilégio de uma trajetória tranquila é frequentemente confrontada com a narrativa imposta por alguém privilegiado. A ideia de que o tempo é uma questão de planejamento, não de privilégio, ignora a realidade de muitos que trabalham longas horas por um salário mixuruca com direitos humanos insalubres.

Porém, enquanto algum herdeiro vive sua juventude em farra no mesmo horário, em algum lugar o sol já nasceu para um trabalhador. Nunca, jamais foi falta de planejamento somente falta de privilégios e mesmo assim todos os dias temos a vida do pobre trabalhar sendo julgada e acusada de mal administrada por algum jovem herdeiro que não sabe nem limpar o cu direito, porém os mesmos que usam e usufruem da riqueza dos pais são os mesmos que ensinam sobre investimentos.
Pode ser que eu tenha me exaltado, mas não desejo seguir o roteiro. Não quero casar, nem criar algo grandioso. Prefiro viver a vida por mim mesmo, sem me preocupar com a opinião alheia, desafiando as regras que me foram impostas desde o nascimento.

Todas as pessoas que não se encaixam nesse conto de fadas perfeito onde elas se encaixam ? Uma pergunta retrógrada? Talvez. Ficamos jogadas as minguas em uma sociedade hipócrita, vivemos cercados de incertezas, vivemos achando que somos um erro, uma falha viva de um protótipo mal acabado. Porém temos talentos muitas das vezes sufocados, por uma rotina maçante para a sobrevivência, afinal entre um sonho e comida na mesa qual a opção escolhida pelo jovem proletariado ? A sobrevivência.

Você sente que fracassou em todas as áreas de sua vida. Profissional, emocional, romântica, você perde o amor próprio. A neutralidade tira tudo de você, e você é o único culpado, deixando o vazio alheio te preencher. Resta saber se iria reagir ou perecer. Uma cruel e dura crítica para mim mesmo.

Tem dias que eu só quero fugir da luz do sol e ignorar que ao nascer de um novo sol, nasce um novo dia e todo um ciclo se repete.

Às vezes eu quero viver nas sombras, passar despercebido, ser somente mais uma pessoa entre bilhões que andam na terra. Outros eus queria ser iluminado, achado, ouvido e compreendido.

Tem dias que eu só queria sentir algo, qualquer coisa, mesmo que não tenha a mínima razão ou lógica, mas às vezes sentindo pequenos sentimentos encontramos razões em nossas vidas e no final das contas isso é sentir algo. E fugir da neutralidade.

Mesmo sem vontade eu só queria sentir e me permitir sentir novamente, criar ideias, fugir da mesmice.

Eu sei que eu posso viver sem sentir nada, mas no dia que eu não encontrar mais razão em mim, saberei que tudo está perdido.

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