Eu quero ir para casa

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Dor.

Dor era simplesmente o único sentimento papável e plausível no qual aquele pobre Na'vi sentia nesse fatídico momento. Havia anos que seu povo estava lutando contra a nova invasão do povo do céus, participará de cada batalha na qual seu pai o havia colocado. Porém nem todo o treinamento do mundo o havia preparado para dor que era receber um tiro. Aquilo fora uma completa surpresa, pensava que se tivesse que se sacrificar por aqueles que ama, ele saberia o que fazer. Infelizmente, Neteyam havia sido pego completamente desprevenido, não tinha sido seu objetivo ser atingido por aquela bala, seu irmão e Spider estavam fora da linha direta, porém, por ironia do destino, lá estava ele, atingido.

Parecia que qualquer outro sentimento ou pensamento havia dado lugar para a dor, uma dor que bloqueava qualquer pensamento. O buraco no meio de seu peito jorrava sangue como se tivesse milhões de litros dentro de si e era como se o jovem não tivesse mais os controles sobre certos membros. Mal conseguia manter a cabeça acima do mar revolto enquanto seu irmão o carregava no ilu, com um certo desespero. Lo'ak estava indo em diração ao seu pai como se ele tivesse a resposta para tudo que estava errado. Neteyam sequer tinha forças o suficiente para dizer que Jake não tinha uma resposta ou solução para aquilo.

Mesmo com toda aquela dor irradiando dele como se pudesse infectar mais alguma pessoa, Neteyam conseguia sentir mais alguma coisa crescendo dentro do seu coração. Vazio. Um vazio que crescia lentamente, começando do seu coração, que por pouco não foi atingido pela bala. O jovem Na'vi não tinha o conhecimento se a bala havia saído, ou se ainda estava alojada dentro de seu peito. Talvez aquele vazio indicasse que a bala não estava dentro de si, talvez aquilo fosse uma boa notícia no final das contas. Porém, sentia que aquela sensação de vazio estava lhe dando uma ideia diferente, algo que o alcançava devagar, sorrateiramente.

Mal conseguiu se manter firme no Ilu e para conseguir ser colocado em uma pedra, longe da água turbulenta, foi preciso 4 para levantá-lo. Havia perdido quase que completamente a noção de onde estava, sequer conseguia sentir o vento gelado secando as gotículas de água que ainda havia em seu corpo. Apenas sentiu as mãos em si, uma pressão em seu peito que saiu por alguns instantes quando foi virado e logo quando foi colocado de volta na pedra, o rosto de seu pai entrou em seu campo de visão. Tinha problemas de focar no rosto de seu pai, seu peito subindo e descendo em um movimento irregular. Precisou apertar os olhos para finalmente conseguir ver a face de Jake.

Medo explodiu na mente de Neteyam ao finalmente conseguir entender a expressão no rosto de seu pai, já havia visto aquela expressão anteriormente. Quando outros guerreiros Omatikaya se acidentavam em batalha e os machucados era terríveis demais para serem curados, era aquela expressão que Mo'at fazia para os guerreiros. Já vira essa expressão em outros curandeiros, até mesmo em sua mãe. Não era uma expressão estrangeira, a morte já era algo que espreitava os Omatikaya a tempos. Porém, desejava que aquela expressão não estivesse no rosto de seu pai, e que aquele rosto não estivesse o olhando. Era claro, não havia mais esperanças. Neteyam estava inegavelmente morrendo. E não havia nada ou ninguém que pudesse salvá-lo.

O peito começou a subir e descer mais freneticamente, a dor sendo completamente substituída pelo vazio e pelo medo. Não queria morrer, sequer havia completado 15 anos direito. Tinha tanta coisa para viver, tantas coisas para sentir e falar. Aquilo não era justo, aquela guerra não era justa. Sua infância foi arrancada dele a força, ouviu e viu estratégias de guerra antes mesmo de completar 10 anos. Teve que fugir do lugar que amava e conhecia, dos braços calorosos e quentes de sua avó. E agora, que finalmente poderia se sentir feliz e calmo, longe de todos aqueles tiros e morte. A morte o havia acompanhado.

Os olhos estavam marejando enquanto olhava para o pai, não conseguia olhar para qualquer outro ali em volta de si. O seu foco estava apenas nele. Ele que o havia ensinado a pegar o seu ikran, ou aquele que media a sua altura toda vez que pedia. Havia lutado tanto para deixá-lo orgulhoso. Será que realmente teria deixado? Será que Jake olhava para o seu filho com orgulho ou desapontamento. Infelizmente não havia nada o que perguntar agora, tudo que perguntaria era inútil, seriam palavras vazias. Porém ainda forçou seus lábios para poder falar a única coisa que achava que deveria falar naquele momento.

-Pai...eu quero ir para casa. - Aquelas palavras saiam do seu lábio de forma sofrida, cada uma com um peso de dor diferente.

Sabia que não poderia ir para casa, pelo menos não com vida. Porém era o que queria, queria estar nas montanhas novamente, com o seu ikran. Queria estar com Mo'at e conversando com outros Omatikayas. Nesse momento poderia estar agora correndo por entre galhos de árvores e caçando outros animais. Talvez não pudesse estar lá em vida, pelo menos queria poder estar lá para ser enterrado. Nos ritos daqueles que eram realmente a sua família. Ele era um Omatikaya no final das contas.

As palavras de seu pai se perdiam dentro da mente confusa do jovem Na'vi. Mo'at falava que quando alguém estava prestes a morrer, Ewya lhe dava o dom de rever os melhores momentos de sua vida, para que pudesse passar em paz. Neteyam achava que era apenas uma fala para acalmar ele e os irmãos da eminência da morte. Agora sabia que não era uma mentira. Parecia que cada vez que respirava com dificuldade, um turbilhão de memórias inundavam a sua mente. Não era exatamente um filme de sua vida, mas sim as memórias que mais impactaram a sua criação. Desde quando havia aprendido a andar até a memórias de minutos atrás. Cada vez que uma memória nova aparecia na sua cabeça, menos força Neteyam fazia para continuar respirando, até que em um momento o esforço não valia mais a pena, então só parou.

Não havia mais vazio, medo, dor. Não havia mais nada que Neteyam sentia. Era isso, a morte havia finalmente o alcançado.

Através dos Olhos [Neteyam Avatar]Onde histórias criam vida. Descubra agora