Parte 2

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Não posso mais voltar para casa, para as profundezas do mar. Os meus olhos enchem de água, mas derrubam somente o vazio de lágrimas invisíveis.

Lembro-me muito bem do quanto nadei nesse oceano. Plantei, colhi, cacei e espalhei as minhas oferendas, boas e más, pois achei que não havia mais nada para além do que me era ditado:

Dê a vida apenas para retirá-la,

Eleve o castelo para destruí-lo mais tarde,

Faça a Água e o Fogo se apaixonarem e os tornem intocáveis para que um equilíbrio seja instalado.

Eu o entendo e não o culpo, contudo. Está para a bondade assim como está para a maldade, mas eu o vejo, vez ou outra, chorando na calada de seu próprio ser, enfiado entre as suas sombras; sofre desde a primeira vez que um humano decidiu derramar sangue sobre as suas terras, seus mares e o seu coração.

Eu estava ao seu lado como em todos os ciclos lunares passados, esperando que o grupo de mulheres, de cócoras diante do córrego, derramassem os seus preciosos rubis; esse gesto sanava a ambição e o egoísmo, no entanto, nessa noite de minguante, elas foram repudiadas e trancafiadas. Desde então, a violência reina esse planeta, o tornando tão perdido quanto àqueles que cacei.

Eu estive lá,

Vi o que eu não queria ver. Somos recobertos por sangue e ossos da guerra e isso, meu caro Universo, nunca poderá ser desvencilhado da realidade, pois a Guerra é persistente, cruel e Ela nada constrói além do repúdio à vida.

Não, eu não posso mais estar lá com você! Quero existir para o amor e tão somente para ele. Deu-me poder de escolha quando o colocara em meus caminhos, portanto, eu o deixarei para ir de encontro a minha consciência.

A maré me impediu de nadar na direção do amor, por isso que tomei as pernas, ainda detentora de escamas, a correrem para ele, mergulhando e adentrando a lamacenta terra. Me expulsar não faz sentido, nada mais faz sentido a não ser o meu correr feroz e urgente.

Ainda o ouço chamando-me pelo nome. Não se esquecera de mim, afinal.

Eu o escuto,

Continue a me gritar,

Eu o encontrarei!

O encontrarei ainda que for expulsa da terra em que piso.

Sim, sim, eu o encontrarei, o meu amor, a minha consciência

E a minha liberdade.

....

Oh, não!

Largue-me,

Deixe-me em paz!

Como ousa?

Já não o alimentei o suficiente? Já não basta ter me eternizado no vão tectônico, precisa me tirar aquilo que me tornou viva pela primeira vez?

Como ousa?

Não tenho satisfação em maldizê-lo e nem em rogar palavras inescrupulosas, mas não me dá a opção de me simpatizar com a tua causa, a qual é a minha desgraça. Permitir-me ser livre é tudo o que peço.

Caçadora dos corações perdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora